terça-feira, 25 de novembro de 2008

O adoecimento no campo de investigação

Ao desenvolver atividade de investigação, muitas vezes, o policial é convocado a se infiltrar num ambiente marginal, a assumir outro nome, outra identidade social. Atividade que costuma desempenhar com fronteiras aparentemente nítidas.
Tal como um alcoólatra que jura ter controle sobre a bebida, a divisão que nele toma corpo pode atenuar ou até mesmo apagar os limites que ele supõe dominar entre realidade e falsa identidade. E, não raro, o bom policial, aquele considerado ban-ban-ban no campo, queda psiquicamente adoecido.
Mas somente quando alguma coisa de muito grave acontece pessoalmente com o policial, algo que o toca verdadeiramente, como situações de alto risco em que poderia ter perdido a vida, ele começa a se distinguir de seu papel, a se distanciar da máscara que construiu no desempenho de seu trabalho.
Como se o fato incontornável que viveu tivesse tido sobre ele o efeito de paralisá-lo e lançá-lo fora da percepção cronificada que compartilhava no campo, para, então, poder se perceber sobre outro prisma. Em exercício, este policial se sente discriminado e passa a ser considerado inadaptado pelos colegas.
Esse processo de deslocamento e de diferenciação que sofre o policial, permite-lhe compreender as loucuras em que estava envolvido em seu cego exercício, e passa a duvidar das crenças do campo, passa a duvidar das certezas que compartilhou com os colegas.
É esse distanciamento que pode permitir ao policial discernir algo do seu próprio adoecimento. Primeiro passo para a sua busca de ajuda e conscientização de seu sofrimento emocional.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Por que o policial precisa negar o conhecimento que adquire na academia?

Desaprender a academia, negar o ensinamento para se manter vivo nas ruas. Essa é a crença que o policial sustenta. Assim tem inicio o processo de afastamento dos novos policiais dos valores que norteavam suas vidas e, a concomitante entrada na illusio do campo policial. Conta-me um policial:
“(...) um professor falou na academia de polícia, uma das poucas coisas que eu guardei: ‘procurem sempre se olhar no espelho e fazer um exame de consciência, tipo, o quanto eu tô distante de mim mesmo, quem eu fui quando entrei e no que eu tô me transformando’. Então acho que no meio dessa massa gelatinosa... tá arriscado você perder a tua identidade. Na polícia você começa a dar uma valoração certa ao que é errado. Começa a achar que você anda certo pro lado errado da vida, ou anda errado por lado certo da vida. Porque você tem acesso a um código, e a medida que aquilo vai acontecendo você começa achar que aquilo ali é uma coisa normal. Você já não se sensibiliza mais. É aquela coisa do errado que passa a ser verdadeiro”.
O envolvimento do policial com o desempenho de suas funções pode acarretar graves conseqüências para sua saúde mental. Quer dizer, quando o policial iniciante entra pra valer no jogo (que é o próprio campo onde trabalha), começa a perceber que não é possível compartilhar em casa o que vive na rua, muitas vezes para proteger a família das situações difíceis que não raro ele se vê envolvido.
Quanto mais intimidade adquire com o campo mais se distancia da família, e quanto mais fortemente esse processo se desenrola, mais venera a família. Colocando-a num lugar ideal, cada vez fala menos de seu trabalho em casa. Esse é o início de seu isolamento e de sua divisão subjetiva.
É comum relatos de policiais que passam semanas sem aparecer em casa. Algumas vezes forçados pela necessidade do serviço, outras, levados por motivos que eles mesmos desconhecem. Não se dão conta que passam a gostar de freqüentar os lugares que investigam; não se dão conta que começam a se envolver com atividades que deveriam reprimir.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O policial é o mestre de seu saber

Senhor de uma saber e uma técnica que domina na rua, transformada esta em laboratório, o policial despreza a palavra do mestre. Ele é o mestre de seu saber. Mestria constituída na chama do aqui e agora; saber tateado no enfrentamento que as circunstâncias o obrigam a desenvolver e consolidar como válidos.
Seu saber não comporta a teoria, e é compartilhado apenas com seus pares. Dessa mestria advém a aparente autoconfiança expressa no olhar de autoridade, onde brilha a certeza de quem sabe que sabe.
A teoria é rechaçada com vigor e a academia de polícia é vista como uma fraqueza da corporação. Talvez aí esteja a maior dificuldade de se introduzir qualquer mudança significativa na formação do policial, uma vez que ele teve de se desprender da teoria.
Do relato de uma mulher policial que nos conta sua experiência, extraímos uma mensagem; semente que merece ser cultivada. Ela diz:
“Eu entendo que esse tipo Rambo, que bate, esfola e arrebenta, isso é um estereótipo, uma estética que está sendo superada, dando lugar a esse policial que hoje é mais bem preparado tecnicamente, ou seja, o fazer uma investigação requer um conhecimento técnico de várias áreas. E se você consegue, isso suplanta a questão da força. Você vê pelo meu biotipo que eu não sou uma pessoa forte, mas eu tenho condições de quando chegar a colocar a mão, eu sei exatamente a dimensão do que eu to fazendo. É para não esboçar uma reação. Eu vou pegar no momento certo, na hora certa, com a condição certa”.
Quando a jovem policial me conta como procede no ato de prender uma pessoa, ela reflete sobre sua fragilidade comparada ao porte viril dos rapazes policiais, e sobre seu ardil para ultrapassar a limitação que seu corpo feminino lhe impõe no embate que trava para vencer as dificuldades do momento ativo quando em operação.
Sua estratégia estimula e valoriza outros atributos que não envolvem a força bruta. Vemos então como a sensibilidade feminina pode abrir um trajeto, favorecendo o salto necessário para superar a truculência masculina que se atualiza no comportamento do policial.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O saber do policial é adqurido nas ruas

O código (não explícito) da conduta policial é traçado nas operações de rua, no exercício cotidiano das funções de repressão e investigação. Esse código implica na formulação de uma saber empírico cru.
A sabedoria da profissão de policial se desenvolve no embate circunstancial que se processa nas ruas. No confronto entre o ataque e a defesa, in loco, o policial traça sua estratégia de sobrevivência. No centro da qual se situa o maior de todos os desafios: ludibriar a morte.
Em primeiro lugar é preciso ser capaz de manter-se vivo; de proteger a si e ao outro da sedução do ataque.
Nesse empenho fatal se vê quão indissociável se tornam saber e poder. Experiência que promove o apagamento das diferenças entre os policiais novos e os veteranos, e os une no descrédito que dedicam à academia de polícia.
Um policial me relata sua visão sobre o treinamento realizado pela academia. Ele diz:
“Hoje em dia eu penso que a academia me ensinou a morrer mais rápido. Tudo que eles me ensinaram lá é uma prática pra você morrer mais rápido. Porque nem sempre aquelas pessoas que estão à frente de ensinar são pessoas que foram operacionais. Existe uma grande diferença entre você ser um policial administrativo, da academia, e você ser um policial. Porque são professores, que são delegados, que são convidados a dar aula. Mas nem sempre esses delegados foram policiais de carreira, foram detetives, tiveram vinculados a operações. Porque isso é muito importante. Tter o domínio de como você pode atuar e você ter a experiência de vida, de rua mesmo, porque cada dia o ambiente se transforma pra você”.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Bandido bom é bandido morto

Inserida na rotina grosseira das reclamações, das apreensões e da burocracia dos procedimentos judiciais, a polícia desenvolve uma visão pessimista e generalizada, na qual se revela o descrédito na eficácia da justiça.
Os policiais se consideram peritos em lidar com a classe criminosa. Muitas vezes, este conhecimento pragmático que acreditam possuir respalda atos grotescos em que se destacam abusos lamentáveis.
Atualmente, o ingresso na polícia civil exige aprovação através de concurso público, e os aprovados são inseridos num processo de iniciação que, em tese, os prepara para desempenhar as funções típicas de policiamento.
Dada as dificuldades de colocação no mercado de trabalho, essa geração de policiais agrega um grupo de pessoas diplomadas em cursos de nível superior, com formações diversas, como administração, estatística, direito, sociologia, arquitetura, psicologia etc.
Situação interessante para arejar a corporação e nela introduzir esses domínios de áreas específicas. Fato que pode inclusive se tornar oportunamente útil.
Esse grupo de policiais representa o segmento esclarecido, que acha que pode contribuir para a transformação da polícia, e que vislumbra, para o futuro, uma polícia técnica.
Para esse grupo, a força da polícia e o êxito de seu desempenho se situam no momento anterior à ação, no planejamento, na montagem de uma estratégia. Tendem a enfatizar a investigação, e contrastam com o grupo mais tradicional de policiais veteranos, do qual se destaca a figura do policial truculento. Para esse grupo, a força da polícia se situa exclusivamente na ação.
Amplamente disseminada nesse campo, a sentença bandido bom é bandido morto sintetiza a crença desse tipo de policial, que representa um grupo identificado com a exibição de poder do policial em operação.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Os destinos da polícia

A polícia se desenvolveu ao largo de um controle eficaz por parte do estado. Na maioria das vezes a corporação teve (e tem ainda) que se virar com suas próprias e peculiares soluções.
Isto se dá em razão do histórico abandono do estado, aferrado que se encontra a seu descompromisso com a política de segurança pública.
Hostilizada pela população pobre e desprezada pela elite, a polícia nunca desfrutou de um reconhecimento que a tornasse atraente enquanto status social.
A carreira policial brilha mais na fantasia infantil do que na ambição cultuada pelo indivíduo adulto. A permanência nos melhores cargos do sistema policial sempre apresentou característica transitória, servindo antes como trampolim para lançar o indivíduo numa situação mais confortável e elegante no sistema jurídico ou na administração pública.
A elite nunca teve interesse em se voltar para os problemas da ordem social, muito menos em se preocupar com os destinos da polícia.
Assuntos desagradáveis que colocam em pauta adversidades cotidianas são evitados em prol do bem-estar e do prazer mais nobre, não merecem ser evocados nas finas rodas. Esquecidos, permanecem confinados nos porões da exclusão.
Se nos anos noventa o campo policial tornou-se objeto de interesse crescente das precisas lupas da comunidade acadêmica, ou assumiu lugar de destaque nos debates intelectualizados sobre a cidadania em contraponto com a barbárie que assola o espaço urbano é porque a violência, antes restrita a áreas delimitadas da cidade marginalizada, derrubou os muros da segregação e ganhou as ruas da cidade européia que ainda existe no Rio, hoje muito menos demarcada do que antes, inviabilizando a distância asséptica até então garantida.
Pela natureza da tarefa que lhe cabe desempenhar, a polícia permanece em contato constante, às vezes por demais estreito, com os mais temíveis ou desavergonhados transgressores da ordem.
E a polícia consolidou a convicção de estar conduzindo uma luta sem apoio, mesmo por parte daqueles que supostamente estaria a serviço.
Responsáveis por manter a ordem pública, os policiais recebem a insígnia da autoridade, o que lhes confere certo grau de poder e de trânsito na cidade, mas não são bem instruídos tecnicamente e muito menos estão preparados do ponto de vista ético para entender criticamente o papel que lhes cabe desempenhar no cotidiano das ruas.
Apenas quando um policial se deixa apanhar, punições severas como a expulsão podem ocorrer, e os registros policiais estão cheios de ex-policiais, mas dificilmente se vê chegar ao Tribunal acusações contra policiais.
O que nos prova que a brutalidade no exercício de policiamento e a rede de corrupção que se articula nos bastidores da polícia são veladamente consentidas, desde que permaneçam subterrâneas no submundo, longe da visibilidade da vida civil.
Não se pode esquecer que a deterioração das relações sociais resulta da dívida social acumulada na história de descaso da elite que prefere manter seus privilégios, exibir suas jóias e seus carros importados, numa sociedade altamente estratificada, caminhando em direção a uma economia capitalista ainda mais selvagem, travestida de neoliberal, que eleva ao limite máximo a desigualdade social.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O crescimento do Rio de Janeiro

No esboço da história do Rio, desde sua fundação no século XVI, vislumbramos as transformações pelas quais a cidade passou. Primeiro, tornou-se o centro administrativo da colônia portuguesa em 1763.
A chegada da família real em 1808 acelerou seu processo de transformação política e administrativa. O Rio conquistou significativo progresso urbano: multiplicou suas repartições públicas, enriqueceu e se desenvolveu culturalmente.
Em meados do século XIX, o número de pobres livres que vivia na cidade se multiplicara significativamente. Essa população, numerosa e empobrecida, aos poucos se tornara um desafio para a elite política que precisava tratar as conseqüências trazidas pelo crescimento desordenado do Rio.
Aqueles que dispunham de recursos financeiros desejavam usá-los como bem entendessem. Não queriam um estado absolutista que limitasse suas oportunidades, mas também ansiavam por um espaço social em que não se sentissem molestados ou ameaçados.
Motivos esses que levaram à criação de uma forma de governo liberal, voltado para proteger essa classe favorecida, que manteve as rédeas do controle sobre os pobres livres através do clientelismo e da exclusão.
Numa economia em que o grosso da produção era feito pelo trabalho escravo, os pobres livres, na maioria desqualificados, quando não analfabetos, podiam colocar à disposição seus serviços, comercializar pequenas mercadorias nas ruas, vender artefatos produzidos em pequenas oficinas domésticas, ou, mendigavam, roubavam e passavam fome.
Na forma como se organizara o ambiente urbano, uma grande maioria tinha pouco ou nada a perder. Restava a possibilidade de lutar por reconhecimento, por apadrinhamento, ou, sucumbir à exclusão e à privação.
Esse estado liberal não se preocupou, a exemplo do liberalismo europeu, em ordenar um sistema que pudesse respaldar direitos sociais a essa maioria que vivia à margem da vida civil.
Como Distrito Federal, a partir da proclamação da República em 1889, o orçamento da cidade passou a estar vinculado aos recursos da União. Isto permitiu ao Rio experimentar diversas reformas urbanísticas modernizadoras.
O Rio cresceu como uma cidade de serviços, abrigando órgãos estatais, o centro financeiro e comercial, concentrando o principal pólo de lazer e cultura do país.
Concentrou a maior parte do capital interno e mantinha um porto super movimentado. Por suas ruas transitavam autoridades, figuras de projeção nacional, além de personalidades estrangeiras.
O constante crescimento demográfico do Rio sempre exigiu alternativas para seu desenvolvimento. Como expandir uma cidade cujo espaço era limitado pelas montanhas, pelo mar e pelos mangues?
Uma vez estrangulado o espaço urbano do centro, os ricos buscaram refúgio em locais mais distantes, como o Rio Comprido, a Tijuca e Botafogo, deixando suas antigas moradias no centro da cidade, logo transformadas em cortiços ocupados pela população pobre de migrantes e imigrantes que se instalaram na cidade em busca de novas oportunidades.
Essa população, deixada ao léu, aprendeu a se virar através de mecanismos de resistência que eram a sua forma de sobreviver e viver.
A repressão do estado se voltava contra os pobres de modo ostensivo e preventivo. A coerção física vigorava como técnica para manter o comportamento da massa dentro de certos limites aceitáveis.
Mesmo quando o açoite não era mais tolerado, a polícia manteve a tradição de espancar o indivíduo no ato de aprisionamento, como uma tarefa natural de seu papel disciplinador da plebe.
Atos brutais e grotescos cometidos pela polícia de hoje são resíduos dessa ação repressora que atravessou as gerações, o tempo e as transformações, sobrevivendo de modo germinal nas relações antagônicas entre a polícia e o povo.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A Polícia Civil

A Polícia Civil, nos moldes que conhecemos hoje, se desenvolveu a partir da tradição herdada da secretaria de polícia, a qual teve origem com a substituição dos juízes de paz por funcionários, que foram nomeados para compor o quadro funcional da secretaria de polícia.
Segundo os ditames da tradição, a polícia acumulava as funções do agente acusador, investigador, oficial de prisão, promotor, juiz, jurado e carcereiro. Condensava todo o sistema policial e judicial numa aplicação sumária.
O sistema judicial era portanto confuso, pois havia a sobreposição do poder de prender com o poder de julgar, quando o correto seria que a ação do tribunal fosse acionada tão logo tivesse sido encerrada a ação policial.
A reforma que se iniciou em 1871 alterou o código de processo criminal e ampliou o sistema judicial, para que este assumisse as funções de julgamento que até então eram desempenhadas pela polícia. A partir desta data, a Polícia Civil perdeu o poder de julgar e sentenciar os indivíduos por infrações menores.
A partir de 1920, a carreira policial tomou corpo e popularidade. A indicação para chefiar a polícia no Rio era considerada um passo importante da carreira judiciária. O chefe de polícia era nomeado pelo Presidente da República, por indicação do Ministro da Justiça.
Tal era o poder nas mãos do chefe de polícia, que a ele competia empregar a força da polícia militar, da guarda civil, dos agentes de polícia; promover, transferir, demitir ou conceder licenças; premiar em dinheiro o pessoal da polícia ou pessoa que o auxiliasse.
Foi também na década de 1920, quando se reativou a repressão política, que os investigadores começaram a ser valorizados dentro dos quadros da polícia.
A polícia de investigação, formada por policiais à paisana, existia desde 1892. E tal como sucedeu com a polícia civil, esperava-se construir uma nova imagem para os detetives, conhecidos pelo emprego da força bruta e maus modos.
O trabalho mais civilizado da guarda civil passou a atrair número crescente de jovens. Porém, impedimentos de ordem orçamentária pôs a perder essa polícia civil refinada do início do século XX, que teve seu pequeno contingente cada vez mais restrito.
Mas o maior golpe que a polícia civil sofreu foi desfechado quando um oficial da polícia militar fora nomeado para inspecioná-la, e cuja missão era adequar a guarda ao modelo hierárquico militar.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Polícia Militar

Sentia-se, desde 1831, que se tornava cada vez mais urgente criar uma corporação de polícia profissional e bem remunerada, a qual fosse possível impor critérios rigorosos de seleção para a escolha de seus integrantes.
Uma corporação assim idealizada foi instituída com o nome de Corpo de Guardas Municipais Permanentes, que em 1866 passou a chamar-se Corpo Militar de Polícia da Corte e, finalmente em 1920, o nome da corporação foi simplificado para Polícia Militar.
A polícia militar ficou subordinada ao Ministro da Justiça. E embora tenha preservado a estrutura hierárquica das demais corporações militares, essa polícia distinguia-se das demais porque os praças eram voluntários e melhor remunerados que os soldados.
Para se ter uma idéia, eles ganhavam o equivalente ao que recebiam artesãos e balconistas. Mas mesmo sendo mais bem remunerada do que as anteriores, essa corporação seduzia apenas pessoas das camadas mais pobres da população.
A polícia militar proporcionou melhorias nas condições de trabalho dos praças. A disciplina, até então garantida à custa de castigos corporais, passou a ser imposta por meios mais sutis de controle.
O uso do açoite, por exemplo, deixou de figurar como técnica de punição. Essa reforma disciplinar fez da polícia uma corporação exemplar, contrastando com o exército e a marinha, que somente muito mais tarde abandonaram o uso do açoite na contenção dos soldados.
A polícia militar tornou-se o principal instrumento de força usado pelo estado no controle da ordem social. Contudo, seu efetivo logo se mostrou em número insuficiente para a sobrecarga de tarefas sobre seu encargo.
Cabia-lhe atender aos chamados sempre que se fazia necessário uma ação armada. Além disso, como função preventiva, era seu dever patrulhar as ruas para manter uma presença repressiva constante.
O confronto hostil entre seus membros e a população sempre se fez presente. Era difícil determinar o nível de violência aceitável que o praça deveria usar na ação coercitiva que exercia nas ruas.
O compromisso moral da corporação se respaldava na capacidade para manter a integridade do cumprimento do dever. Mas, desde sempre, a polícia militar enfrentou o problema crucial do suborno que ocorre na interação entre polícia e ladrão.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Do juiz de paz à secretaria de polícia

A figura do juiz de paz, leigo e eleito em cada distrito, foi prevista na Constituição de 1824. Representava uma ruptura com a autoridade judicial do rei.
O cargo de juiz de paz guardava características das funções policiais. Seu exercício envolvia a vigilância da jurisdição, a reunião de provas, prisão e julgamento dos infratores.
O juiz de paz garantia, na visão de seus defensores, a reordenação das relações entre a população e a autoridade do estado. Seu poder era reforçado por disposições que lhe davam autoridade sobre os crimes contra a ordem pública. Ele podia designar um delegado e até alguns guardas civis para formar o quadro de uma protopolícia.
Ao governo era resguardado o direito de suspender qualquer juiz de paz por mau procedimento ou negligência, e todo juiz que não procedesse com a necessária diligência no julgamento dos crimes contra a ordem pública poderia ser considerado cúmplice.
A reforma judicial de 1841 promoveu a substituição dos juízes de paz por funcionários nomeados que passaram a compor o quadro funcional da secretaria de polícia.
Esses funcionários herdaram dos juízes de paz a autoridade para julgar e sentenciar as pequenas infrações nos distritos, conduzindo os infratores das ruas para a prisão sem a intervenção direta da justiça criminal, tornando desnecessária a ação de advogados, promotores e autoridades judiciais superiores.
Assim, o efeito mais importante e desastroso dessa reforma foi estender poderes judiciais à polícia, condensando todo o sistema policial e judicial numa aplicação sumária.