segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O acting out na produção psicanalítica atual

A produção psicanalítica mais recente, situa o acting out em dois lugares pontuais: primeiro, localiza-o no analisando, como um real que a ele escapa; segundo, designa o lugar do analista, e se refere à questão de como conduzir o analisando ao campo das palavras.
Chamorro compara o acting out à relação que se estabelece entre ator e público com o que se desenrola na análise, em que o analista ocupa a posição do Outro (lugar da palavra).
Ao desenvolver a dialética do sujeito e o Outro, Lacan pensa o acting out em relação ao lugar do Outro. Neste contexto, o acting out é apresentado como uma resposta a uma posição específica do analista. O que se destaca aqui é a reciprocidade das respostas – interpretação e acting out – como evocadora de efeitos nas posições ocupadas por analisando e analista.
O acting out, como demanda de interpretação, representa a transferência selvagem, efeito de uma intervenção do analista que ocorre quando não se produz o ato analítico.
Este conceito – ato analítico – se refere à estrutura do discurso, na qual o psicanalista não sustenta a dimensão da realidade, mas sim uma dimensão do real que Lacan chamou de objeto “a”, cuja preservação, como causa, é a que abre as portas de acesso ao desejo.
Quando isto não ocorre, essa dimensão real do desejo será mantida de diversas formas. Uma delas é o acting out; outra, é a passagem ao ato.

Na dialética entre o sujeito e o Outro há um resto, que não se encaixa, dando surgimento ao acting out, ou, à passagem ao ato.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A generalização do termo acting out

Nos anos trinta, acting out era usado como um conceito técnico para expressar uma forma de resistência ao tratamento psicanalítico, para caracterizar a atuação de pacientes neuróticos em resposta às pressões da análise.
A operação analítica consistia em manter dentro do âmbito psíquico o que se derivava da ação motora. Via-se como necessário manter um campo de invariantes para dar direção à cura.
Desse tipo de concepção, destaca-se a influência da psicanálise argentina, cujo expoente máximo se encontra na contribuição de Bleger sobre o enquadre psicanalítico.
Para Bleger, o trabalho psicanalítico consiste em criar um enquadre firme e estável, que evite a contaminação do analista pela regressão transferencial do analisando.
Assim, o enquadre permite mapear o acting out, como a figura que se destaca do fundo. Figura que transgride a ordem do enquadre.
O acting out era visto então como um obstáculo, uma manifestação da resistência, através de comportamentos indesejáveis seja para o analisando seja para o rumo da análise, e colocava em foco problemas do processo psicanalítico.
Daí para aplicar-se o termo a qualquer comportamento indesejável do ponto de vista moral e social foi um pequeno passo.
A ampliação do conceito teve forte presença na literatura da década de sessenta. Época em que mais se dilatou seu sentido. O termo passou a caracterizar a conduta delinqüente, diversos tipos de patologias, ações impulsivas, anti-sociais e perigosas. Pouco se prestava atenção aos contextos em que tais ações surgiam.
Essa grande variedade de usos tinha como elo a idéia do motivo inconsciente ser o deflagrador da ação.
Fenichel é considerado um dos maiores responsáveis pela ampliação do conceito. Ele relacionou o fenômeno do acting out tanto ao âmbito do tratamento analítico, quanto aos aspectos patológicos da personalidade que predispõem o indivíduo a tendências impulsivas.
Fenichel acha que algumas pessoas mostram maior predisposição em exprimir seus impulsos inconscientes na ação do que outras.
O peculiar de tal formulação foi dotar de particularidade o caráter de certos indivíduos caracterizados como tendenciosamente impulsivos. O que leva a se enfatizar mais os aspectos individuais da personalidade do que o contexto em que se verifica a ocorrência de tais comportamentos impulsivos.
A literatura pós-setenta apresenta uma reação que se opõe à generalidade na aplicação do termo, à idéia de que designa algo indesejável.
Desde então passou-se a valorizar o acting out como fonte de informação valiosa, como fenômeno que permite o acesso a uma forma especial de comunicação, como canal que expressa o surgimento de material novo no processo analítico.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Como a noção de acting out aparece nos escritos de Freud

Freud empregou o termo agieren (traduzido para o inglês como acting out) pela primeira vez em 1905, no caso Dora, num sentido técnico particular, em que destacava a relação desse termo com a situação transferencial, com a resistência e com a substituição da memória.
Ao relatar a interrupção precoce de Dora do tratamento, Freud conta que ela atuou uma parte de suas lembranças e fantasias ao invés de expressá-las com palavras no processo analítico. Ele escreve:
(...) “a transferência apanhou-me desprevenido, e, devido ao que havia de desconhecido em mim que a fazia lembrar-se de Herr K, ela vingou-se em mim como desejara vingar-se dele, abandonando-me do mesmo modo como se sentira abandonada e enganada por ele. Assim ela ‘atuou’ uma parte essencial de suas lembranças e fantasias, em vez de reproduzi-las no tratamento”.
Mais tarde, em 1914, Freud discorre em detalhes sobre este termo no texto Recordar Repetir e Elaborar, no qual ressalta seu entrelaçamento com a prática psicanalítica.
(...) “podemos dizer que o paciente não ‘recorda’ coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas o expressa pela atuação ou ‘atua-o’ (‘acts it out’). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação: repete-o, sem, naturalmente, saber o que está repetindo”.
Neste pequeno trecho, Freud se refere a ações que o paciente pratica ao invés de recordar. Ele repete o que esqueceu e reprimiu ao reproduzir como ato, sem saber o que está repetindo. Esta é uma forma peculiar de recordar que aparece durante a análise.
Mas repetição não é o mesmo que acting out, embora neste se expresse uma modalidade de repetição.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Considerações sobre o exame pericial

Nas próximas postagens, vou tecer considerações sobre o exame pericial no contexto psiquiátrico-forense.
Estas reflexões são particularmente úteis para os profissionais que trabalham no sistema judiciário, além, é claro, de esclarecer especificidades conceituais para todas as pessoas que se interessam pelo tema.
Iniciarei o assunto introduzindo o significado da expressão acting out.

Não existe na língua portuguesa uma palavra que corresponda fielmente ao sentido literal contido no substantivo inglês acting out.
A expressão acting out, tal como usada no campo da psicanálise, consiste na tradução para o inglês das palavras alemães: agieren (verbo intransitivo, que significa to act, agir, atuar), e holdeln (to act, agir, atuar).
Existe uma confusão relacionada ao uso do termo que pode ser atribuída aos empregos originalmente feitos por Freud dessas palavras - agieren e holdeln - de mesmo significado, usadas em contextos diversos, e traduzidas para o inglês pela mesma expressão: acting out.
O verto to act significa atuar, funcionar, trabalhar; e em sentido figurado: fingir, simular. To act out significa a ação de uma pessoa representar ou manifestar em seu comportamento expresso um conteúdo psíquico, um sentimento, uma idéia, ou mesmo repetir um diálogo previamente decorado na encenação de um certo papel.
Na língua portuguesa, esses termos são traduzidos por atuação, palavra que se banalizou no uso excessivo e adquiriu conotações pejorativas.
Nos textos psicanalíticos, nota-se a preferência pela expressão inglesa, acting out. Esta alcançou consagração com os estudos de Lacan, transmitidos sob a forma de seminários.