segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Freud e a criminologia

Em Dostoievski e o parricídio (1928), ao examinar a obra e a biografia de Dostoievski, Freud enuncia os traços que considera marcantes para distinguir uma pessoa criminosa das demais. Diz ele:
“Num criminoso, dois traços são essenciais: um egoísmo sem limites e um forte impulso destrutivo. Comum a ambos, e condição necessária para sua expressão, é a ausência de amor, a falta de uma apreciação emocional de objetos (humanos)”.
A análise sobre os dados biográficos de Dostoievski, oferecida por Freud, ajuda a compreender a dinâmica do Édipo e do sentimento de culpa na conformação psíquica que apresenta traços sadomasoquistas.
Freud considera que o gosto por criar personagens violentas, homicidas e egoístas, por si só, informam a proximidade de Dostoievski dessas escolhas em seu mundo subjetivo. Por isto lhe atribui intensa propensão destrutiva.
Este tipo de impulso poderia ter direcionado Dostoievski ao mundo do crime. Mas isto não aconteceu porque essa força foi dirigida contra ele mesmo, resultando na formação de sintomas histéricos, na cristalização de sua neurose.
A trama desenvolvida na obra prima - Os irmãos Karamazov - apresenta aspectos de indiscutível similaridade com a história pessoal do autor, especialmente no que se refere à relação de Dostoievski com seu pai.
A tragédia se desenrola em torno de uma história que focaliza a relação entre um pai tirano e seus filhos, a rivalidade entre o pai e um dos filhos na disputa do amor de uma mesma mulher, e o cometimento do crime de parricídio por um dos filhos.
Obra exemplar - Os irmãos Karamazov - permite-nos a elaboração sobre o crime primevo da humanidade – o parricídio, fonte mítica do sentimento de culpa e da necessidade de expiação.
Freud recorda ainda duas outras obras-primas da literatura internacional – Édipo Rei, de Sófocles e Hamlet, de Shakespeare – que abordam o mesmo tema, o parricídio. Em todas essas obras, a motivação para o ato se encontra na rivalidade sexual por uma mulher.
Conforme o destino edípico descrito por Freud, processo que responde pela entrada do homem na cultura, o menino se relaciona com o pai de forma ambivalente. O pai é o rival a quem o filho dedica sentimentos de ódio e ternura, misto de admiração, inveja e temor, componentes primitivos do processo de identificação do menino com o pai, e também a base do sentimento de culpa que se mantém inconsciente.
O temor à castração, que faz com que o menino desista de possuir a mãe e se submeta à lei paterna, torna inacessíveis tanto o ódio quanto o amor ao pai, pois ambos são suprimidos da consciência.
Se esses poderosos sentimentos têm como destino o recalque, a identificação com o pai, por outro lado, cava um lugar definitivo para si no eu, e nesta instância permanece separada do restante do eu. Este processo da identificação com o pai é o marco da constituição do supereu, herdeiro da influência familiar e da moralidade franqueada pela cultura.
A relação entre o menino e seu pai se transforma numa relação entre o eu e o supereu. A um supereu sádico, corresponde um eu masoquista, passivo, feminino.
Diante de tal correspondência, a necessidade de punição se torna vívida no eu, que se oferece como vítima do destino, e encontra satisfação nos maus tratos impingidos pelo supereu tirano, ou seja, pelo castigo imposto no sentimento de culpa.
A punição encerra uma castração, e também a realização da atitude passiva para com o pai, isto é, para com a vida.
Na história pessoal de Dostoievski, a morte precoce de seu pai realiza fortuitamente desejos primitivos reprimidos, o que impôs o fortalecimento de medidas defensivas.
É sob esse prisma que Freud compreende as crises epiléticas de Dostoievski, cujo significado remonta à identificação com o pai como punição, tornando-se tão aterradoras quanto a sua morte. Nas palavras de Freud:
“Uma coisa é digna de nota: na aura da crise epilética, um momento de felicidade suprema é experimentado. Pode bem ser um registro do triunfo e do sentimento de liberação experimentados ao escutar as notícias da morte, seguidos imediatamente por uma punição ainda mais cruel”.
Mesma seqüência de júbilo e pesar, Freud descreve nos irmãos da horda primeva em Totem e Tabu. Dostoievski foi condenado, injustamente, por questões políticas. Castigo que aceitou com impressionante resignação.
Permitiu passivamente sua própria punição pelo representante paterno, o Czar. Freud vislumbra nesse acontecimento a justificação psicológica das punições realizadas pela sociedade. E considera que Dostoievski nunca se libertou dos sentimentos de culpa originados do desejo de matar seu pai.
Existem criminosos que almejam ser punidos. E esta é uma exigência do supereu deles.