segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Surgimento dos dogmas institucionais

Na Idade Média clássica, a partir do século XII, encontramos as bases do dogmatismo ocidental, quer dizer, o início da matriz moderna de administração pontifícia – gênese da cultura européia – que estende sua lógica até hoje.
A escolástica medieval fundou os dogmas institucionais predominantes na cultura ocidental.
A escolástica, com suas regras e instrumental lingüístico, teatraliza o ritual litúrgico da controvérsia até alcançar o ponto que culmina com a sentença, em si menos importante do que a lógica que preside a administração da disciplina.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A gênese da instituição

O mecanismo de funcionamento da instituição se explicita na transmissão e nas técnicas de fazer-crer. São elementos do jogo constituinte da ordem e da subversão.
Ao alcançar o nó do desejo, o poder transforma o oponente em culpado e o erro em falta. Esse proceder abre a questão sobre as crenças presentes na lógica da submissão que é posta a serviço de uma determinada fé.
Por isso a lei deve ser tomada ao pé da letra de seus símbolos, todos voltados para fazer operar a instituição que trabalha para escamotear o desejo.
O texto jurídico reconstitui a totalidade do normativo. Não se pode deixar de considerar que essa construção também provém do cabresto do desejo.
O jurista é aquele que fala o que pode e o que não pode ser dito. Embora ele mesmo ignore que seu saber se restringe à propagação da submissão.
Os textos canônicos contêm os ingredientes indispensáveis para a manutenção diversificada dos símbolos, substituídos ao longo do tempo segundo a demanda imposta por cada época.
Foi assim que a igreja ocidental modelou os dogmatismos e até hoje mantém vivos os mitos fundamentais. A hierarquia é o maior exemplo dessa espécie.
A religião traz à tona a questão do poder, e nos esclarece que o que move e assegura a continuidade da instituição é a doutrina do fazer-crer.
Proveniente do sistema eclesiástico, o jurídico conserva a submissão: categoriza os indisciplinados e ressalta a suprema referência ao pai onipotente.
Referência da qual ninguém escapa, senão sob o mascaramento contido na excomunhão e na loucura.
O vínculo religioso estende e mantém os laços ecumênicos que unem os membros na comunidade cristã como uma família, e serve de modelo para justificar e preservar os grupos sociais.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Superego cultural

Superego cultural é uma noção que deriva da teoria freudiana. Essa noção visa elucidar o mecanismo institucional.
O superego cultural é pensado na referência ao discurso canônico. Ele explicita a censura.
Munido da autoridade paterna, o inquisidor atualiza sua função ao trazer uma proposta de salvação com um rigor que não comporta a crítica nem o riso.
A lei institui o universo idealizado da falta e designa ao pecador a benevolência reparadora de uma pena.
A censura é uma modalidade de pena útil à ciência da alma. Daí advém sua natureza medicinal. Atualmente, essa função curativa e reparadora do censor foi assimilada pela prática utilitária das ciências humanas e sociais.
O superego cultural organiza o lugar das penas e ordena sob quais condições se pode traçar o tratamento da indisciplina.
Ergue-se, assim, uma doutrina da punição baseada na palavra que tranqüiliza o rebelde. Mas os homens das leis, os juristas, precariamente se dão conta da arte de tratar o conflito.
A lógica dessa alienação encontra resposta na questão prática de colocar em atividade a máquina da exclusão.
Consoante o peso da ideologia, a nosografia classifica os excluídos, do herético ao negro, do bandido ao louco, compondo o ementário dos procedimentos.
Aliado à ciência, o jurídico mapeia a apreensão dos culpados para compor o texto onde se encontra a verdade do mal.
A captura dos indivíduos numa formatação instituída supõe desapossá-los de seu sentimento de culpa no conflito, trocando-o por palavras pacificadoras.
Assim também se propagandeia a agilidade e inteligência de um governo que se liberta do ranço burocrático e autoritário e busca a participação e a integração dos cidadãos.
O direito é reconhecido como ciência ancestral que rege e direciona o sujeito. A lei institui uma ciência específica possuidora de um saber que se pretende legítimo e magistral, que salvaguarda a propagação das censuras para fazer prevalecer a opinião dos mestres: uma ciência do poder.
Ao jurista cabe a tarefa de manter em funcionamento certo tipo de jogo, caldeira onde são inventadas palavras tranqüilizadoras, onde são manipuladas as ameaças primordiais, onde é situado o objeto de amor: no mesmo lugar onde a política coloca o prestígio, ou seja, no adestramento do amor ao poder.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Como podemos nos acercar da verdade?

No início do prólogo de Além do bem e do mal, Nietzsche nos diz:
“Suponho que a verdade seja uma mulher – não seria bem fundada a suspeita de que todos os filósofos, na medida em que foram dogmáticos, entenderam pouco de mulheres? De que a terrível seriedade, a desajeitada insistência com que até agora se aproximaram da verdade, foram inábeis e impróprios para conquistar uma dama? É certo que ela não se deixou conquistar – e hoje toda espécie de dogmatismo está de braços cruzados, triste e sem ânimo. Se é que ainda está de pé! Pois há os zombadores que afirmam que caiu, que todo dogmatismo está no chão, ou mesmo que está nas últimas".
Nietzsche critica toda forma de dogmatismo: filosófico, científico, religioso. O dogmatismo é a fonte de todo preconceito e censura; é a barreira que se interpõe entre o homem e o objeto a conhecer.
O dogma não é o sítio onde a verdade adormecida deve ser despertada, mas algo que aprisiona e amortece as investidas de um possível conquistador.
Nietzsche profetiza os dias contados dos dogmatismos que perpetuam a fundação de verdades absolutas e atemporais: do altar da igreja à corte do tribunal de justiça.
A verdade petrificada em dogma, ilusionista, convida-nos a dançar em círculos repetitivos em torno da seriedade ritualística; apela ao engano e confunde. Faz-nos acreditar que o domínio, advindo da fé na autoridade, na posse, na técnica, conduz à aproximação do objeto a conhecer.
De todo modo, toda vontade de verdade é vontade de poder. Em torno desta máxima, podemos entender o surgimento das verdades que os dogmatismos de toda ordem fazem questão de nos servir em bandejas previamente preparadas. A vontade de domínio precisa fazer do desejo de saber seu escravo.
Os mecanismos lógicos de controle da descoberta da verdade deflagraram o aparecimento de modalidades de exame, responsáveis por qualificar e classificar as condutas conforme a necessidade de controle disciplinar.
A disciplina impõe uma permanente visibilidade que deixa às claras a superposição de poder e saber, determinando as partidas no jogo lingüístico dos interrogatórios.
Em vigiar e Punir, Foucault explora o exame como um tipo de dispositivo disciplinar, que ritualiza a cerimônia do poder e a instituição da verdade; mecanismo que une saber e exercício do poder.
Poder este que flagra e captura os subalternos para aprisioná-los numa rede de objetivação e visibilidade.
Mas esse aprisionamento está longe de ser facilmente perceptível. Trata-se de uma armadilha sutil, engatilhada no âmago do amor e do desejo. Envolve a socialização disciplinar do amor ao poder e à autoridade; disciplina de submissão do desejo como dom de amor; técnica de transmissão de um fazer-crer como esteio de funcionamento das instituições.