segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A importância do livro medieval

A capacidade operativa do dogmatismo se abastece da crença no poder que emana do texto. Este deve possuir o poder de iludir, produzindo a certeza de que nele está contida a verdade.
O papel do intérprete/transmissor do texto se assemelha ao do ilusionista que sustenta o jogo institucional com seu manejo técnico do engano ilusório.
O peso da coletânea do texto indica a existência de uma reserva potencial de autoridade, legitimada na potência mítica do livro.
A massa dessas obras antigas constitui a matéria-prima que dá forma a um texto morto, no qual se pode pesquisar e isolar um corpus júris.
O livro medieval é um objeto simbólico encerrado em si mesmo, do qual o comentador extrai palavras isoladas e as faz trabalhar para dizer algo, para dar sentido, para autorizar o discurso da autoridade.
O texto que o livro encerra tem um núcleo que envolve perigos e, portanto, deve ser desbravado apenas por aqueles detentores das chaves místicas, aqueles que irão compor os comentários a partir de uma lógica estrita.
A Lei figura no texto e é garantida pela posição do pontífice. Eis a origem da superioridade do texto no direito canônico.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O mito canônico

Presa à rede de significação da Escolástica, a mítica encarnação da Lei, na dimensão imaginária, fornece o modelo de referência sexual.
Esse modelo permite à instituição garantir a sua verdade, a qual emana do jogo em que o erótico é desviado de sua finalidade.
Na ordem da pré-constituição, o texto canônico forja a verdade e estende a toda a sociedade o seu mito.
Instala-se aí o poder do instituído, na capacidade de implantar o modelo de um sujeito humano ideal que projeta seu conflito em um eu ideal dilatado.
O texto canônico produz a submissão a regras, cujo caráter de certeza não difere daquelas regras promulgadas pela criança e ou pelo neurótico, quando atormentados pelas crenças primitivas do desejo.
Por ser tida como certa e inevitável, a Lei se impõe, esquadrinhando a crença de um amor original.
A regra dessa dogmática se generaliza. E o bem-sucedido mito contido no texto canônico abrange toda a sociedade.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O lugar do papa

O reconhecimento do papa enuncia uma representação simbólica fundamental: o seu lugar é determinado de modo textualmente normativo e preserva a autenticidade da representação de Outro, ausente, em nome de quem o pontífice se pronuncia.
Ele é o transmissor da Lei, o senhor da doutrina, o mantenedor da chave que abre as portas da mística.
É apresentado pelos dogmáticos como o escravo que recebeu a missão de representar seu mestre ausente, e administrar seus negócios.
A lógica católica dividiu a sociedade em dois mundos: o mundo do clero e o mundo leigo. Essa lógica se assentou no interdito máximo: a castidade. Norma que particulariza o lugar do sacerdócio.
Na escala vertical da hierarquia que divide o mundo entre puros e impuros, o papa desponta como o primeiríssimo da primeira ordem.
Ele representa a síntese de uma antinomia: a onipotência e a privação sexual. Ele é o pai, portador do falo, mas está impedido de atualizar a potência sexual.
Desapossado de seus desejos em nome da tarefa de pastor, o pontífice se coloca como um servo do supremo sacerdócio, e transforma a si mesmo na primeira vítima da regra. Deve se subjugar para submeter a todos.
Como principal intérprete do texto canônico, sua mestria é a transmissão do subjugar. Mas ele não é nada mais que o representante do Outro, o Inspirador.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O teológico e o jurídico

A instituição, no Ocidente, está calcada na definição da norma e no exercício do sacerdócio. No interior desse território, duas regiões se articulam, delimitadas por dois tipos de saber: o teológico e o jurídico.
Estes saberes se harmonizam num único percurso para nomear o campo referencial da censura: de um lado, leis divinas e naturais, de outro, leis humanas.
A escolástica colocava em pauta o jogo lógico do direito romano, determinado este pelas instâncias que proferiam a palavra legítima originada no discurso canônico, conforme a seguinte relação vertical: no alto, o pontífice romano, auctoritas sacra pontificum; em baixo, o imperador romano, regalis potestas.
Essa monarquia sacerdotal estratificava a sociedade em dois gêneros de cristãos: os clérigos e os leigos. Segmentação em dois estatutos que nos indica como o direito canônico ao mesmo tempo englobou e diferenciou o humano.
No intervalo medieval a história aparece como morta. Reino do absoluto, esse momento se interpõe em anterioridade ao sujeito e funda o instituído. Na ordem desse simbolismo preestabelecido, cabe à instituição perpetuar-se através da transmissão, mantendo enigmática a potência de repetição do dogma.