segunda-feira, 28 de junho de 2010

A mulher ideal

Rui e Amanda voltaram a namorar recentemente. Ainda se gostam muito. A relação flui com intensidade, expressa nos papos intermináveis que varam a noite e no encontro alquímico da boa interação sexual.
A intimidade entre eles é completa quando estão a sós. O que os leva a prescindir da presença de outras pessoas. Eles se bastam, é o que lhes parece.
Contudo, Rui estranha sua falta de energia para fazer outras coisas. Reclama que está cada dia mais preguiçoso, improdutivo e que se isola de tudo.
Está seduzido pela imagem ilusória dessa relação dual perfeita; cooptado, atraído pela beleza oceânica desse encontro perfeito entre duas metades que se aninham e se fundem.
Freud nos lembra:
A mãe é o primeiro objeto de amor da criança.

A palavra amor, aqui, se refere ao aspecto mental da pulsão, pois quando a mãe se torna o objeto de amor da criança o trabalho psíquico do recalque já se instalou.
Há que se considerar a complexidade do processo em questão no reencontro do objeto.
No período anterior à puberdade, o objeto encontrado é quase idêntico ao primeiro objeto de prazer, a mãe.
E vincula-se a essa escolha tudo o que se entende sob o nome de complexo de Édipo.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Confiar ou não confiar

Rui – que significa rei – é o nome fictício que usarei ao apresentar fragmentos de construções clínicas, cujo personagem central seja masculino. É também uma homenagem a ‘sua majestade o bebê’, expressão usada por Freud ao falar do narcisismo presente em nossa tenra infância. Afinal, a análise é recheada de momentos em que o sujeito se mira em sua imagem especular.
Desde o início Rui trouxe-me a imagem de Édipo: uma criança abandonada que se deseja acolher; um ser em busca de refúgio; um andarilho imerso na ignorância de seu infortúnio que se põe em fuga... do imponderável.
Ele fora avisado à noite da entrevista marcada comigo para a manhã do dia seguinte. Chega meio intrigado e se revela surpreso com a consulta. Percebe-se sem chances, insinuando assim sua impossibilidade de escapar, como se estivesse sendo obrigado a realizá-la e não que ela fosse fruto de sua livre escolha ao procurar-me.
Não obstante, estava ali diante de mim formulando sua primeira queixa: via-se vítima de um telefonema que o deixara sem escolha.
Seu questionamento inicial, em que se revela sua contradição – de se sentir sem escolha, submisso à ordem do Outro, movimento em que esconde seu desejo - retornará muitas outras vezes.
Rui fala da sua falta de jeito para iniciar a análise. Não está acostumado a falar, ainda mais sendo ele o assunto, por outro lado expressa sua dificuldade para se comunicar com as pessoas. Por fim, mostra-se curioso sobre como seria falar de si mesmo.
Conta-me sobre seu hábito de desenhar num caderno, companheiro inseparável – um objeto transicional - a quem confidencia o que lhe sucede. No caderno compõe um diário de imagens sobre suas impressões e emoções do dia.
Mostra-me o caderno. Trouxe-o a mim como uma radiografia das imagens que percorrem seu imaginário. Vejo desenhos, colagens, signos de sua arte particular para evocar experiências, ponte para seu isolamento, refúgio para se evadir do presente.
Havia tropeços na sua chegada, errava o ponto em que devia saltar, o que o obrigava a andar mais e a se atrasar. Sua resistência cedeu mais quando pôde expressar a necessidade que sentia de confiar.
Rui precisava acreditar em alguém para poder revelar coisas que o afligiam. Aflorava nele a certeza de que precisava de ajuda para enfrentar suas dificuldades. Angustiava-o justo sua impossibilidade de confiar.
Qual seria a origem dessa impossibilidade?

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Édipo: símbolo da revelação

Em todo longo percurso da obra freudiana, a figura de Édipo paira como o símbolo de uma grande revelação: do desejo incestuoso da criança. Na imaginação para sempre infantil, somos como o antigo herói Édipo.

A primeira escolha amorosa do homem é, portanto, incestuosa. E essa escolha necessita de severas proibições, por parte da cultura, para que se impeça que ela se realize.
Édipo simboliza o inconsciente que nos aparece travestido de destino. Ao focalizarmos a questão do Édipo sob o ponto de vista do complexo – de Édipo – remetemo-nos à soberania da clínica, a qual incide sobre os romances familiares em todas as suas facetas.
Classicamente, o complexo de Édipo está relacionado à fase fálica da sexualidade infantil: quando a criança experimenta sensações voluptuosas em relação à mãe.
Apaixonada pela mãe, a criança a quer inteiramente para si, colocando-se nesse particular como rival do pai, a quem admira, embora não deixe de sentir sua presença como um obstáculo a seu desejo em relação à mãe.
Reagimos ao sentido secreto da lenda de Édipo, como se tivéssemos reconhecido o complexo de Édipo em nós mesmos, como se fossemos compelidos a recordar os dois desejos – o de eliminar o pai e desposar a mãe – e, ao mesmo tempo, nos horrorizamos com eles.
A responsabilidade sobre esses impulsos pulsionais recalcados reaparece sob a forma de sentimento de culpa.
Que ajuda proporciona a análise no que concerne ao complexo de Édipo?
A análise confirma tudo o que a lenda descreve e mostra que cada um de nós tende a repetir de alguma maneira o drama de Édipo.
Na puberdade, quando as pulsões sexuais fazem suas exigências, os objetos incestuosos familiares são retomados e investidos com a libido.
Nesse período se desenrolam intensos processos emocionais que seguem a direção do complexo de Édipo ou reagem contra ele.
O jovem é então convocado a se desvincular de seus pais. E enquanto essa tarefa não for cumprida ele não pode deixar de ser uma criança.
Para o filho, a tarefa de se tornar emocionalmente independente dos pais implica no desligamento de seus desejos libidinais dirigidos à mãe, para empregá-los na escolha de outro objeto amoroso.
Algumas vezes o jovem não chega a nenhuma solução do conflito edípico, permanecendo subjugado à autoridade do pai e incapaz de transferir sua libido a outro objeto de amor.
Quando se forma um nó no romance familiar, marca essencial do impasse afetivo, consideramos que o complexo de Édipo se cristaliza como o núcleo da neurose propriamente dita.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A lenda de Édipo

Todos nós conhecemos a lenda de Édipo e seus antecedentes que serviram de inspiração a Sófocles. Para abrir este assunto que versará sobre questões clínicas, escolhi relembrar o mito por considerá-lo o romance primordial do destino do homem que a clínica busca re-significar.

Laio, príncipe de Tebas, ainda criança, é exilado na Frigia, corte do rei Pélope, quando Tebas foi tomada pelos tiranos Anfião e Zeto, após a morte de seu pai Lábdaco, rei de Tebas, o qual fora morto por bacantes como ato de vingança à repressão imposta por ele ao tradicional culto a Dionísio.
Durante sua estada na Frigia, Laio enamora-se de Crisipo, filho de Pélope. Para viver seu amor, rapta Crisipo e foge para Tebas, pois pretendia recuperar o trono de seu pai.
Furioso, Pélope persegue-os. Crisipo, temendo a humilhação e a punição do pai, comete suicídio. O rei culpa Laio por ter perdido o filho primogênito e lança sobre ele uma maldição: se tivesse um filho, seria morto pelo próprio e sua descendência sofreria conseqüências trágicas.
Laio continua vivendo em Tebas, conhece Jocasta e se casa com ela. Após a morte dos tiranos Anfião e Zeto, Laio é chamado pelos cidadãos a assumir o trono. Assim consegue reconduzir a dinastia de seu pai ao poder.
Mas temendo a maldição, Laio tenta evitar ter filhos. Quando nasce o primogênito entrega a criança a um criado para que a abandone no Monte Citéron, depois de furar-lhe os pés.
O criado salva o bebê entregando-o a um pastor de ovelhas. Este o conduz a Corinto, onde é criado como filho adotivo pelo rei Pólipo e sua mulher Mérope, sendo batizado com o nome de Édipo, do grego Oidipous, que significa ‘pés inchados’.
Édipo cresce e ouve boatos de que não seria filho de seus pais. Quando atinge a maioridade, deixa Corinto em busca da verdade sobre sua ascendência. Procura Delfos para consultar o oráculo de Apolo. O deus lhe revela, de modo enigmático, que um dia ele mataria seu pai e se casaria com sua mãe.
Ante tal revelação estarrecedora, Édipo resolve ir embora de Corinto e jamais voltar, na vã tentativa de escapar da previsão.
Seguindo o cruso de seu destino, cruza por acaso com Laio, a quem não conhece. Eles brigam e Édipo o mata.
Entronado como rei de Tebas por ter decifrado o enigma da Esfinge, ao descobrir que acabou cometendo ambos os crimes, sem o saber, Édipo pune severamente a si mesmo cegando-se.