segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Um lugar para chamar de seu

Rui terminou o curso superior. Surpreendeu-se com o fato de que conseguira se inserir rapidamente no mercado de trabalho. Achou que nem tivera tempo para refletir se deveria aceitar ou não a proposta que lhe fora oferecida.

Como não tinha experiência no ramo que a empresa lhe oferecia, decidiu aceitar, deixando para trás o campo onde estagiara durante boa parte do curso.

Não sabia dizer se esta escolha havia sido acertada. Deixou um trabalho que apreciava e conhecia muito bem por outro desconhecido. Temia ser um equívoco a opção que assumira. Queria uma garantia para sua escolha. Não podia perder mais tempo ainda, caso ela não fosse a mais acertada.

Como fosse possível atestar-se e garantir-se o desconhecido, o futuro, o improvável...

Era-lhe inconcebível a idéia de voltar atrás e recomeçar tudo novamente. O trabalho atual, que aceitara, não lhe dava tanto prazer quanto o anterior. Queixava-se agora da falta de autoria que ele implicava. Gostaria de fazer alguma coisa em que sua obra tivesse evidência.

Daí instalou-se o conflito: a sorte que teve de arrumar um emprego pelo qual não precisara lutar e o prazer incompleto que ele proporcionava.

Vez por outra o trabalho aparecia nas sessões com essa marca ambígua: algo que conquistou sem empreender grande esforço, daí se considerar uma pessoa de sorte, mas que não cativava, pois o obrigava a se dedicar a algo que não sabia se queria.

Sem dúvida tratava-se de alguém que apreciava os desafios. Como o que é fácil não gera prazer, o sujeito mergulha na rotina, na insatisfação da tarefa, e perde as pegadas de uma possível obra, de uma possível originalidade, de uma possível autoria.

Buscou então se concentrar num objetivo: aprender com a experiência de trabalho. Mas essa tática com o tempo não se mostrou produtiva; não deu grandes resultados.

Sua reclamação incidia agora no fato de que precisava se esforçar para assimilar algo que não sabia se desejava dar continuidade.

Oscilava entre ficar ou sair do trabalho. Ficar ou sair do trabalho de análise? Começava a se esboçar a expectativa de produzir um projeto para si mesmo. Espantava-se, no entanto, com a falta de um projeto propriamente.

Era preciso antes desbravar um lugar. Início de um reconhecimento sobre a falta de lugar. Um trabalho de construção começava a se insinuar. Como toda boa construção, antes seria preciso cavar o solo para que uma fundação pudesse se sustentar.

Um lugar subjetivo começava a ser delineado. Se havia a vontade genuina de uma autoria, é porque havia a queixa quanto ao texto que faltava. Era preciso ser produzido. Pois se o autor concebe e escreve o texto;  é o texto que constrói o autor.

A cada sessão um texto é escrito. Para a riqueza dos incontáveis textos a serem produzidos, vale deixar fluir as palavras; dar liberdade ao ritmo que se imprime a elas a cada momento. No compasso da livre associação, é a escrita subjetiva que se refina a cada sessão.

Dentro em breve Rui poderia fincar a bandeira no território que ele queria inteiramente seu.