quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Audiência de reavaliação



Faltavam duas semanas para a audiência de reavaliação de Marco. Hora de rever o trabalho. Construir um posicionamento e organizar o relatório para a audiência.
Eu preferia acreditar que Marco poderia ser trabalhado fora do ambiente de controle policial/judicial, pois achava que ele havia desenvolvido uma demanda subjetiva e que estava sensível à possibilidade de uma intervenção terapêutica.
Aqueles dias me pareceram decisivos para a tomada de decisão de Marco. Ele se debatia em conflitos. Algumas atitudes sorrateiramente se consolidavam. O ódio ao pai mais do que nunca aparecia vívido. Borbulhava na caldeira dos sentimentos.
O desejo de tomar o lugar do avô nos negócios do jogo do bicho saltou como uma seta, apontando outro possível caminho fora do tráfico. Escolha que não o afastaria do jogo, dos perigos, das armadilhas... Continuava instável o seu terreno. O controle dos pontos do jogo do bicho o seduzia.
A fraqueza do pai em contraste com a potência de Marco para assumir esse controle, aparecia como uma justificativa de seu desejo para se impor nesse lugar.
O que significava tomar para si os negócios do avô?
O desejo de tomar o lugar do pai recrudescia, revelando a escolha de uma posição subjetiva. Por isso o ódio ao pai agora aparecia feroz. Outros projetos paralelos, como sair do Rio, abrir um comércio, apareciam e desapareciam como nebulosas.
Marco se mostrava ansioso com a proximidade da audiência. Não queria permanecer preso, mas também tinha medo da liberdade. Fantasias persecutórias tomavam conta das suas noites. Achava que a polícia poderia sair em seu encalço imediatamente após ser posto em liberdade.
O lugar de caça que ocupava nos devaneios servia para justificar atos, do caçador, secretamente arquitetados.
Marco queria garantir o controle sobre as presenças na audiência: a mãe deveria estar presente, o pai não. Queria aniquilar tal possibilidade desde já. Perguntava-me se eu estaria presente. Eu o assegurava que sim.
A audiência já fora marcada na pauta do cartório. Minha intervenção quase chegava ao fim.
No dia determinado, de posse do meu relatório, dirigi-me à sala de audiências, mas, para minha surpresa, não havia ninguém lá. Onde estariam todos?. O que teria acontecido?
Procurei me informar no cartório. Precisava entender o que se passava. Disseram-me, a audiência fora antecipada.
E o trabalho ao qual me dedicara por meses a fio? Por que eu não fora avisada? Perguntei inutilmente. Procurei saber quais pessoas estiveram presentes na audiência. Apenas o pai.
Qual o significado dessa antecipação inesperada?
Imaginei a cena de traição tomando forma no imaginário de Marco, e como as ideias dessa trama poderiam tomar de assalto seus atos.
Soube da fúria de Marco durante a audiência. Ele se debatia porque a mãe não estava lá.
Imaginei o quanto se sentiu enganado.
Que repercussão a presença exclusivamente masculina teria em sua mente?
Senti-me também enganada. Pensei no crédito que eu depositara na possibilidade de apontar uma saída para o caso. Quanta ingenuidade!

Essa experiência me obrigou a confrontar a impossibilidade da tarefa do psicólogo, quando supõe modificar algo na estrutura rígida do judiciário. Engrenagem corrosiva de trabalhos, como o meu, que agrega como auxiliares

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Marco e a polícia



Na última prisão de Marco, a polícia lhe pediu uma quantia considerável para não efetivar a detenção.
Ele fora localizado em função de uma denúncia anônima. E já se encontrava nas dependências da polícia quando sua mãe foi avisada. Procedimento de rotina da autuação.
Carla, sua mãe, soube da exigência que os policiais fizeram ao filho. Então, denunciou o ocorrido ao Ministério Público. Ela não aceitou pactuar.
Com o filho aprisionado, ela pensou, sem o envolvimento diário com o tráfico, talvez fosse uma oportunidade para ele refletir sobre seus atos. Ao menos, ela aproveitava tais ocasiões para restabelecer seu contato com ele.
O que Carla fez não acontece todos os dias. Dificilmente uma família aceita formalizar denúncias desse tipo, dando margem a que a corporação policial seja posta sob investigação. Nem tanto pelo descrédito na apuração de fatos que poderiam revelar a corrupção policial e, sim, porque sempre persiste o temor de retaliações.
O policial não tem qualquer noção do lugar ético que ele ocupa na cultura. Por isto transita sem problemas da conduta de controle sobre o lícito à prática do ato ilícito. Essa indiferenciação deixa à flor da pele o jogo perverso da ordem social.
Quando Carla sustenta a denúncia, ela apela ao poder o esclarecimento desses diferentes lugares.
Era comum saber de histórias assim: o policial prende o rapaz roubando, armado de revólver. O que faz em seguida o policial? Ele negocia com o ladrão, o não registro da ocorrência em troca da arma e do tênis de marca. Infelizmente é um fato corriqueiro, se repete todo dia, da prática policial. O roubo praticado pelo infrator é ilegal. Mas, como qualificar o ato do policial que não registra a ocorrência em troca da arma, do tênis ou do dinheiro? O jovem infrator odeia ainda mais: o policial e a sociedade. Porque generaliza a lição que aprendeu com o policial. O que ele aprende com essa experiência? Que a polícia é corrupta. Que ele não pode confiar na corporação e, por consequência, na sociedade também. O policial fornece ao rapaz uma única alternativa: alimenta o descrédito na corporação policial e na autoridade social que ela deveria representar. Daí porque a revolta e o ressentimento que transparecem no comportamento do infrator não podem ser tomados como medida de sua barbárie.

Inserida na rotina grosseira das reclamações, das apreensões e da burocracia dos procedimentos judiciais, a polícia também desenvolve uma visão pessimista e generalizadora do sistema, na qual se revela o descrédito do policial na eficácia da justiça.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Preso no quartel



Marco permaneceria custodiado num quartel do batalhão da polícia militar durante três meses, para contemplar a medida de privação de liberdade, quando seria feita outra reavaliação.
A audiência, que determinou o cumprimento da medida de privação de liberdade no quartel, foi realizada por uma juíza, substituta do juiz titular.
Eu estava lá, quando Marco entrou escoltado por dois jovens soldados da polícia militar. Armados, cada qual, com um fuzil. Os policiais permaneceram na audiência, em pé, na posição de guarda.
Chamou-me a atenção a forma como um deles sustentava a arma na posição vertical, e o cano encostava, justo, na ponta do seu nariz. Era cômico e inquietante ver o policial empunhar a arma daquela maneira.
A cena suscitava aflição e o policial nem se dava conta do absurdo da situação. Foi preciso que a juíza chamasse a atenção do rapaz. Interrogou-o se não temia um acidente, ao manter-se naquela postura incorreta e perigosa para a sua própria segurança, portando a arma com tamanha negligência.
Nessa audiência, ficou determinado que a justiça acompanharia o caso durante o tempo em que Marco estivesse aprisionado no quartel.
Fui novamente convocada a intervir. Era a regra. O mesmo profissional dava prosseguimento ao estudo do caso.
Eu teria que entrevistá-lo lá no batalhão. Passou-me pela cabeça o despreparo do jovem policial na audiência, e pensei no incômodo da tarefa que me cabia desempenhar.
A primeira providência, minha, foi estabelecer contato com o cabo encarregado da custódia de Marco.
No batalhão, eles se preocuparam em me mostrar como Marco estava bem instalado.
Marquei uma entrevista com o comandante.
O oficial me pareceu cordial, satisfeito com a presença de alguém da justiça.
Contou-me, Marco recebia muitas visitas de familiares e amigos. Falou, também, sobre os presentes que chegavam todos os dias.
O alojamento onde instalaram Marco estava montado: televisão, vídeo, som. Os eletrônicos chegavam embalados em caixas de fábrica, acompanhados de nota fiscal e tudo.
O oficial me contava essas coisas como se quisesse minha opinião. Expressou a dele primeiro. Achava que os objetos haviam sido mandados pelo tráfico. Perguntei-lhe então, por que a entrega dos presentes era permitida.
Retrucou, foi ríspido, disse, por fim, que só permitia a entrega porque os objetos chegavam documentados, com nota fiscal.
A minha observação o havia irritado. Claro. Reagia à minha fala precipitada.
Daí em diante, ele ficou defensivo. Queria saber por que deveria se responsabilizar pela fiscalização dos objetos, uma vez que prestava um grande favor ao estado, custodiando o rapaz. Lembrou-me da ilegalidade que significava a permanência de um jovem menor de dezoito anos nas dependências de um quartel militar.
O jovem não devia ser acompanhado por um educador? Perguntou-me irritado, cobrando a natureza socioeducativa da medida.
O que o oficial não sabia era que eu concordava com sua apreciação crítica. O aspecto socioeducativo da medida judicial constitui uma das farsas do nosso teatro social.
Tentei dizer-lhe, talvez fosse o caso de levar essas ponderações ao conhecimento do juiz para que providências fossem tomadas.
Finalizamos com o acerto sobre a regularidade semanal das minhas visitas.
Frequentei aquele ambiente durante os três meses da medida judicial. Nas primeiras semanas, o cabo cedeu sua sala para as entrevistas.
O local não era apropriado nem confortável. A sala, bem pequena, tinha o básico: mesa, cadeira e um pequeno sofá. E um enorme calendário, cheio de fotos de mulheres, dessas que sonham em posar para a Playboy, completava a decoração da sala.
Mas, o que me preocupava, mesmo, era o vidro espelhado que dava para a sala ao lado. Ou seja, a sala cedida para as entrevistas era aquela usada para reconhecimento de supostos agressores.
Nesse campo de atuação, trabalha-se com o que se dispõe em termos da realidade imediata. Ultrapassar essas dificuldades faz parte do contexto técnico em que se desenrola o exercício profissional.
O certo é que obstáculos inesperados sempre se colocam no meio do caminho – entre aquele que atende e quem é atendido.
Às vezes, o próprio entrevistado se transforma em colaborador importante para o profissional driblar as dificuldades e concretizar a entrevista. Não é raro acontecer.
A situação mais delicada que vivi no meu trabalho, foi nesse estudo que realizei no quartel.
Eu já havia conseguido instituir uma rotina, ainda que rudimentar. As entrevistas tinham dia e horário preestabelecidos.
Ia na viatura oficial, que ficava me aguardando no pátio até o término da tarefa.
Os soldados que permaneciam na entrada do quartel já nos identificavam, a mim e o motorista, pela viatura oficial. Não exigiam maiores formalidades. Eu estava familiarizada com o caminho que percorria no quartel. O motorista me deixava em frente à portaria do prédio.
Certo dia, um soldado, me interpelou à entrada do prédio. Imaginei que precisasse me identificar. Disse-lhe a razão de minha visita e me movimentei em direção à porta.
O soldado empunhou o fuzil, engatilhou a arma e ordenou que eu parasse.
Identifiquei-me novamente, dessa vez apresentando minha carteira funcional e falei que cumpria uma determinação judicial.
Meu argumento não ajudou. Muito irritado, o soldado nem desarmou o fuzil. Ao contrário, disse-me: Não se atreva a subir, eu vou atirar. Eu custava a acreditar no que ouvia. Achei aquilo uma brincadeira de mau gosto. Até que Marco chegou correndo para desfazer o impasse. Dirigiu-se ao soldado: Deixa a minha tia, ela veio me entrevistar. Foi uma surpresa o aparecimento dele. O comum era ir escoltado até a sala da entrevista.
Perguntei o que fazia ali, naquele momento. Ele respondeu que estava se exercitando no pátio, quando me viu e percebeu a minha dificuldade com o soldado.
Subimos. Encontrei o cabo e reclamei do mau comportamento do soldado. Relatei o que havia acontecido. O cabo retrucou dizendo que eu não levasse a sério, pois o rapaz não regulava muito bem da cabeça.
Sua resposta aumentou, ainda mais, minha apreensão.
Perguntei se era permitido àquele soldado deixar o quartel para patrulhar as ruas da cidade. O cabo afirmou que sim, pois patrulhar as ruas era uma rotina que todos os soldados precisavam cumprir.
O cabo seria capaz de avaliar a dimensão da negligência que sua fala revelava?
Tratava-se de uma situação muito grave: um soldado sem equilíbrio mental, empunhando uma arma, patrulhando as ruas do Rio, portando a autoridade impressa na insígnia da corporação policial.
Na semana seguinte, fui informada de que a entrevista mudaria de local. Seria feita em outro pavilhão.

Nesse dia, Marco me contou, o soldado insolente, estava preso, ali mesmo naquele quartel, pois fora pego em flagrante, praticando extorsão contra um posto de gasolina. A fala de Marco prosseguiu, trazendo à tona uma sequência de outras associações sobre o mau proceder da polícia.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O Retorno

 
Não havia passado, sequer, três meses, desde a fuga de Marco da Escola João Luiz Alves, quando ele foi novamente apreendido.
No tempo em que permaneceu solto, o sistema passou por uma grande reviravolta. Tanto o Padre Severino quanto a João Luiz Alves estavam com suas instalações imprestáveis àquela altura.
Essas escolas haviam sido praticamente destruídas nas rebeliões de outubro.
Nada ainda havia sido feito para equacionar o problema, do ponto de vista da estrutura material das escolas. Mas, o atendimento não podia parar. O trabalho prosseguia, malgrado a situação de ruína das escolas.
As autoridades declaravam, nos jornais, a edificação de novos equipamentos para o sistema.
Previa-se construir entre dez e vinte pequenas escolas, espalhadas por todo o Estado, aparelhadas para atender cerca de cinquenta adolescentes.
Nenhuma das promessas noticiadas foi cumprida pelo governo.
As reportagens, da época, se referiam a um projeto de substituição dos grandes internatos existentes por um modelo institucional chamado centro de atendimento intensivo, gabaritado com uma estrutura funcional descentralizada, com capacidade para realizar atendimento personalizado ao adolescente.
Condição que as equipes técnicas consideravam fundamental para pôr em prática a filosofia socioeducativa preconizada no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Eu havia estado recentemente na João Luiz Alves, mais ou menos dois meses após as rebeliões. Assustou-me ver os corredores ainda às escuras, com entulhos de demolição: pedaços de paus, pedras e vidros. Todo esse lixo perigoso permanecia amontoado pelos cantos dos corredores.
A Comlurb não aparecia para removê-los, diziam os diretores das escolas. Eles reclamavam que os adolescentes se apropriavam desses restos para fabricarem armas.
Os jovens aproveitavam para exercitar a criatividade produzindo estoques artesanais.
O ciclo enlouquecido do dia a dia urbano impõe o funcionamento da máquina a qualquer custo.
O circuito funcionava, então, no automatismo oficial: os policiais prendiam, os processos transcorriam dentro dos trâmites legais e os juízes determinavam a execução das medidas aplicadas.
Enquanto isso, a Escola João Luiz Alves, nas condições em que se encontrava, não podia se responsabilizar pela custódia de Marco.
E o sistema nada tinha a oferecer como alternativa a processos como esse que exigiam uma medida de internação.

Contradições grotescas de nossa realidade social.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A queda


 Marco gostava do valor que conquistara no tráfico. A sedução de um poder que lhe parecia ilimitado, a promessa de se tornar rico e influente. Um dia, talvez, pudesse vir a ser dono do morro.
O negócio era promissor. A permanente movimentação de pessoas, o dinheiro em abundância no caixa, todavia, trabalhar como gerente na boca deixava-o mareado. Sob esse aspecto, sua função não diferia de pegar duro no batente.
Afinal, o movimento gera preocupações típicas do mundo do trabalho. Administrá-lo exigia instituir tarefas e procedimentos rotineiros, cuja execução exigia certa dose de burocracia. A contabilidade lhe parecia a parte menos atrativa.
Como vencia a monotonia dos dias iguais?
Quando se sentia entediado, descia o morro à caça de aventuras.
Matava o tédio com doses colossais de adrenalina. Era impossível abrir mão das ações espetaculares. Ansiava por atos que considerava fortes, como roubar bancos ou interceptar carros fortes.
Pequenos furtos e roubos menores eram ações fracas que desprezava.
Usava armamento forte. Fuzis, AR-15, K-47 coroavam com êxito as ações sensacionais. Rajadas de AR-15 em perímetro de grande concentração urbana ou puxar carro para tirar uma onda eram aventuras fortes. Sacudia a calmaria do tráfico.
Colado à imagem desse ideário, preenchia os dias de sua vida de gerente-de-boca. Passava as noites insone, embriagado de poder e cocaína.
Vivia em plenitude a sensação mágica de ser todo-poderoso. Ganho gratificante de ser-tabu.
Amava suas aventuras. Alimentava-se de querer-mais-poder, na ilusão de ser mito respeitado-temido.
Protegido com a crença de possuir o corpo fechado, lançava-se às provocações do combate. O rato, agora transmudado em lobo, trocava os subterrâneos dos esgotos, fascinado pela altura dos penhascos.
Cheirado, partia para cumprir seu destino. Subia pelos becos estreitos até o ponto mais alto. Lançava aos céus uivos grotescos, mecanizados. Era o AR-15 a jorrar rajadas intermitentes de um gozo estranho - sua erótica preferida.
Liturgia que se repetia nas ruelas escuras, pelas madrugadas, assombrando cães e criancinhas. Os cães latiam, as crianças choravam e os pais tremiam. Temiam que o choro infantil pudesse irritar os lobos insones a quem, de algum modo, deviam. Eram mulheres que pediam o enxoval e o berço do bebê, eram pais de família que recebiam tijolos, telhas, sacos de cimento para melhorar a moradia, eram famílias migrantes que obtinham permissão para abrir a tendinha.
O preço da ajuda era tão alto quanto ela se fazia necessária, para minimizar a situação miserável entregue ao deus-dará da falta de políticas públicas, da falta de governo.
Aprisionada, nessas circunstâncias, a comunidade jamais saldava as suas dívidas. Pagava em cotas diárias de silêncio e cumplicidade.
O medo crescia como lodo.
Eram mães que prendiam os filhos em minúsculos cômodos com medo de balas perdidas; eram famílias que trabalhavam e mal dormiam com a arruaça noturna dos tiros e dos fogos de artifício; eram pais que choravam pela vida evadida dos filhos jurados na comunidade; era a ação violenta da polícia que, entre pontapés e coronhadas, invadia as moradias, sem pensar nos erros e nas prováveis injustiças.
Certo dia chegou novo arsenal de armas na favela. A celebração pela chegada do carregamento mereceu noites de orgias.
Fuzis rugiam e fogos de artifício ecoavam.
Na fisionomia autoconfiante de Marco algumas rugas paranoides começavam a sulcar sua expressão. Suspeitava das pessoas da comunidade. Sentia naquele ambiente algum tipo de descontentamento.
Não que houvesse queixas. Mas pressentiu algo de estranho pairando no ar. Era melhor, por via das dúvidas, esconder as armas. Escolheu um lugar estratégico longe dos olhares dos moradores. Cavou, no alto do morro, um fosso fundo e enterrou-as.
Mas não enterrou a desconfiança. Ela teimava. Sua agressividade aparecia cada vez mais, a qualquer hora, na mesma proporção em que seu descrédito crescia.
Não se sentia mais tão seguro de si no seu morro. Achava que a polícia poderia estourar a boca a qualquer momento.
À noite, em estado de alerta, aguardava um ataque inimigo. Vigiava os sons, os pequenos movimentos.
Dormia com a arma embaixo do travesseiro. Lutava contra a certeza de que um dia seria surpreendido. Até que uma noite teve a casa cercada pela polícia.
Bem informados, os policiais fizeram-no levá-los até o local onde escondera as armas.
Tentou negociar, como de hábito. Mas havia naqueles policiais uma gana em pegá-lo. Queriam a sua cabeça. A satisfação de prendê-lo era maior do que o dinheiro que lhes oferecera.
Foi preso. Como ainda não completara dezoito anos, contabilizou mais uma entrada no Juizado. A oitava vez que retornava.
Não sabia dizer quem o denunciara. Talvez o pernambucano dono da birosca que há dias o olhava enviesado; talvez uma mãe esgotada pelas noites mal dormidas, quando se sobressaltava com os tiros de fuzis.
Na incerteza, Marco imaginava e refletia sobre os motivos que teriam levado alguém a denunciá-lo.
Ao menos fora capaz de falar e pensar sobre a ferocidade de seu comportamento nocivo e assustador, a ponto de iniciar um movimento de basta naquela vizinhança, tão acostumada a aceitar a sucessão dos acontecimentos.
Marco pôde perceber que sua imagem fantasiosa e idolatrada não ia além dos limites precários de seu grupo. Seus fãs se restringiam a alguns pobres rapazes que, como ele, possuía muito pouco para sonhar. Contentava-se com a glória um tanto estúpida de se reconhecerem citados, protagonizando alguma triste notícia numa coluna policial.
Como tudo que vem fácil vai fácil, provérbio muito recitado nesse campo, depois que o dinheiro rateado acabava, não havia o que se dividir com os parceiros.
Restava a lembrança dos feitos heróicos, o papo de caçador a sustentar um pouco mais o gozo do ato.
Quando a onda passava, a vontade de querer ser por inteiro voltava intensa.
Era quando abandonava a trincheira e saía para aprontar alguma com o bando.

Reviviam ecos da saga heroica que orbitava zonas remotas de suas primitivas mitologias.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Bicho solto


Marco queria acreditar que alcançara o ideal, de bandido. Viveu naquele morro dias de aclamação de sua glória: pelo invejável destemor, pela submissão incondicional à autoridade daquela confraria, pelo respeito e fidelidade à lei estrita do bicho, do movimento do tráfico.
Bicho. Palavra que retém a alusão demoníaca de saber ter escolhido o mal como opção estética de vida. Não remeteria também a uma referência nostálgica aos contraventores do jogo do bicho, amigos rivais, velhos trapaceiros, a quem de alguma forma se homenageia, de quem se toma a liderança no mundo marginal?
Marco desenvolveu uma teoria particular sobre a condição de ser das coisas. A condição de ser dos objetos se coaduna com o quantum de energia que se lhes investe. Conforme essa teoria, o mundo é dividido em coisas fortes e coisas fracas, em pessoas fortes e pessoas fracas, em ações fortes e ações fracas.
Sua teoria muito bem encerra a mitologia do campo do crime. Não criara nenhum saber singular, apenas repetia o padrão, a doxa de seu grupo. Cumpliciados por essa mitologia, seduzidos pela ilusão coletiva, os membros do grupo concebem o mundo a partir dessa lógica binária.
Marco falava da confiança que havia conquistado nas bocas: não escorregava, agia dentro da moral. Dizia ser considerado e muito respeitado pelo que sabiam que ele era capaz de fazer.
O dono do morro era então concebido como um fera grande, homem forte, ideal que aspirava atingir. Marco também se considerava um fera grande. Feras pequenas eram os iniciantes, os soldados. Corajosos, sim, mas inexperientes.
Ele se considerava um modelo para os jovens iniciantes, e era reconhecido como tal. Sentia-se orgulhoso ao constatar que os feras grandes o colocavam nesse patamar.
         Colocar-se a serviço do tráfico - esse jogo mortal - implica desembaraçar-se dos propósitos individuais para lançar-se inteiro nessa cruzada.
O sentido da vida privada sede lugar à incorporação do mito. A força da interpelação mítica reside, assim, no apagamento da história pessoal: a suspensão consentida das singularidades.
Todavia, o sentido continua latente, a lembrar o desconforto da vida de menino frágil, que esconde seus temores. Sentido que se esvai para nutrir a forma do mito destemido.
Marco oferecia uma imagem reificada dos traficantes. Eles eram homens-força. Imagem mitificada na culinária do seu desejo.
Na criação dessa mitologia íntima, eles se metamorfoseavam em coisas, como homens-granada.
Fortaleza colocada inteira no ato, mas também na palavra empenhada. Desempenho cumprido com rigor religioso. Neles se pode confiar, dizia Marco. Ai daquele que se atreva a sair da linha, e faça coisa errada.
Marco não tinha inibições e convivia muito bem com essa ética que, no tráfico, encontra o ambiente propício para se enrijecer ainda mais. 
Sempre disposto a se enquadrar no modelo aceito naquele métier. Apostava suas fichas na carreira ascendente que trilhava no movimento.
Exagerava na dedicação para agradar seus chefes, realçando as qualidades valorosas que ampliavam os horizontes do negócio e o lançavam à frente na competição. Como faria qualquer jovem ambicioso que descobrisse, em si mesmo, uma inclinação, e se sentisse valorizado por realizar bem, seu ofício.

Eu via os traficantes e queria ser igual a eles. Eles têm fama, poder. Hoje eu tenho fama.

A coisa errada, de maior relevância, mais condenável no tráfico era alguém se revelar um X-9, se tornar delator. A aliança do grupo se concentra nesse mandamento básico: não trair. Único ato vedado.
Impedimento que garante a união e autoriza o atravessamento das maiores proibições como matar ou roubar. Abre o caminho à violação de todas as leis do código jurídico que sejam exteriores ao interesse do movimento.
Traição - transgressão máxima. Obediência - regra fundamental. Intencionalidades que se confundem no ato. Quem desobedece, trai. Quem trai, desobedece.
Se a obediência incondicional ao mandamento do grupo é a regra básica de sua sustentação, a traição se distingue como a transgressão intolerável. A traição, entendida como o atravessamento de um tabu, clama por vingança.
Os elementos do grupo, fervorosos seguidores desse princípio primordial da da aliança primitiva, entendem que a vingança deve recair, sem demora, sobre o transgressor. Por sua vez, ele mesmo, sabe não existir clemência para o seu ato. Requintes de crueldade, preparados sob a forma de ritos tribais, fazem parte dos dispositivos de vingança iniciados pelos membros do grupo que se sentem diretamente atingidos pela violação.
Marco conta como procedeu, certa vez, quando um parceiro, e amigo muito próximo, se revelou X-9. Fora chegada a hora de Marco pôr à prova sua fidelidade ao grupo. Não teve dúvidas quanto à missão a ele destinada.
Investiu na preparação do ritual de sacrifício para dar termo à vida do parceiro amigo. Cunhou o acontecimento de importância exemplar para os moradores e os soldados sob seu comando. Assim, encarregou-se da encenação macabra.

Nessa vida que a gente leva a gente não pode confiar em ninguém. Eu tinha um parceiro que era como se fosse meu irmão e ele me dedurou pros homens. Eu tive que dar uma grana pra eles me liberarem. Eu peguei esse cara, amarrei ele no poste na frente dos moradores e mandei um menor que é de minha confiança ir buscar uma machadinha que eu tinha trocado por cocaína na boca. Ele trouxe e eu arranquei a orelha dele, depois fui cortando parte por parte. Eu precisava fazer isso para as pessoas verem o que acontece com dedo duro. Depois peguei um copo, deixei cair o sangue dele e bebi. Fiz isso porque gostava muito dele.

Reeditou a cena mítica do assassinato e a atualizou numa cerimônia, repetindo a sequência de atos presentes nos rituais arcaicos do tribalismo: o guerreiro, rival morto, despedaçado e servido como alimento, era, justamente, o mais admirado. 
Ao contrário do tráfico, signo de força, a corporação policial era vista por ele como fraca. Formada por homens mentirosos, não cumprem o prometido. Extorquem, mineiram nas favelas e passavam a perna nos próprios colegas.
A polícia também encarnava seu mais temível perseguidor. Os policiais não ocupam posição definida: do ponto de vista estético, ético, subjetivo e social. Não assumem a escolha do crime como um caminho que abertamente possam seguir, nem se comprometem como policiais, ocupando um lugar, de fato, no controle social.
Permanecem indefinidos, numa zona obscura, ambígua, que justifica qualquer ato. Lugar que lhes permite promover as maiores inversões, sob o respaldo da oficialidade.
Que o mundo do crime e os policiais negociam, disso todos sabemos. Os traficantes dizem odiar essa indefinição da corporação policial. Ela não condiz com o ideal rígido que almejam: de extinguir toda ambiguidade.
Interessante notar como o exército serve de modelo para o tráfico administrar a organização precária do bicho. Embora seja uma instituição que não antagoniza, em organicidade, com a corporação policial, pois ambas mantêm composição estrutural semelhante: o militarismo, a hierarquia, a posição de defesa do estado, a formação do grupo em torno da liderança do pai, o comandante do batalhão.
Marco contabilizava na sua bagagem a morte de dois policiais. Trunfo que lhe rendia fama no bicho, e a cabeça a prêmio na polícia. Esse sucesso o fazia sentir-se cotado, afamado, temido, odiado, incorporando, em si mesmo, essa força mítica que amava e que buscava sorver na vida em forma de ato.
O perigo temido, que também amava, fazia dele um caçador a espreitar sua presa, e, tornava-o caça.
O pai de Marco, JL, também era percebido como um homem fraco. Marco se esforçava para esgarçar ao extremo essa diferença entre ele e o pai.
JL não era homem de se lançar a grandes desafios. Entregue ao alcoolismo, seu maior desvario, vagava como homem-menino perdido: não ambicionava substituir o pai nos negócios da contravenção, também não encontrava outro caminho.
Prisioneiro dessa história sem destino, JL se acomodou à ajuda financeira de seu pai, e ao escárnio de Marco, o qual odiava a incompetência dele, ou seja, a impossibilidade de JL para enfrentar uma vida de desafios.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O herói globalizado



Marco era um típico representante de sua geração. Vaidoso, gostava de se vestir com roupas de marca, as quais ele considerava como fortes. Todos os seus objetos de uso pessoal precisavam ter essa mesma característica: serem fortes, custar caro.
Partilhava o gosto predominante – globalizado – sem distinção de raça ou classe e, assim, encarnava com propriedade a imagem paradoxal latino-americana.

Consumidores do século XXI, cidadãos do século XVIII, diria Canclini.

O mercado de moda jovem consolidado pela indústria têxtil data dos anos setenta do século passado. Antes, a moda era restrita a dois tipos de mercado: o da alta costura, voltado para uma clientela muito rica; e o produzido para a população em geral.
Os grupos de jovens que surgiram após os anos sessenta, cunharam formas de expressão muito próprias para comunicar o engajamento de contestação e de diferenciação social que buscavam, através do linguajar metafórico e hermético, das expressões artísticas, da forma de se vestir e de ornamentar o corpo, como modos possíveis de linguagem.
Os hippies e os punks iniciaram a criação de modelos que expressavam o estilo de vida existente no interior dessas culturas, originando a movimentação e crescimento dos mercados alternativos que se expandiram para muito além da proposta inicial, que era restrita a vendas de roupas usadas nos mercados de pulgas. 
Partiram desse mercado informal para a gestação de griffes que produzem a moda jovem, estabilizando um comércio constituído por jovens. As lojas empregam jovens e preservam a linguagem juvenil, situando esse mercado num lugar privilegiado para a criação de uma moda fina. 
Instituiu-se a tendência dúbia de criar um mercado tanto visando atingir o jovem como potencial consumidor, como produzir o signo jovem, como um objeto a ser consumido por todos, independente da faixa etária.

Marco também apreciava carros e motos, esses objetos lhe proporcionavam um algo mais para conquistar minas com facilidade. Achava que elas lhe davam mole por causa do carro e dos objetos que exibia. Divertia-se no fliperama com jogos como mortal combat, street fighter, ao som do encadeamento letrado do rap brasileiro e as jovens nos bailes funk.

  
A moda funk adaptou o senso estético dominante nas griffes mais conhecidas ao gosto peculiar da cultura desses grupos que desenvolveram interesse especial por roupas de marca: os bermudões coloridos, os bonés, os tênis, a camisa usada com os botões abertos para se vislumbrar as correntes que adornam o peito.
Esse estilo masculino, por excelência, contrastava com o gosto feminino. Moda que valorizava a forma do corpo: saias e blusas bem curtas, calças justas em tecido tipo cotton.
Vestir-se com roupas de marca, ostentar adereços e calçados importados não fazia parte da preocupação das garotas, voltadas para o despertar sensual presente no baile: o corpo propositadamente à mostra, os requebros excessivos, os corpos femininos que se tocavam entre si nas danças provocativas.
Ao contrário dessa tendência feminina, a indumentária dos rapazes tinha papel fundamental no jogo de sedução. Eles exibiam seus enfeites, signos de consumo, enquanto as jovens exibiam seus corpos, como se o corpo próprio fosse colocado em disponibilidade para o consumo.
Mercadoria posta em papel ativo, a garota era quem escolhia o consumidor que desejava. Seu olhar se voltava em busca daquele possuidor dos signos que ambos valorizavam para o homem. Uma jovem me revela:

Primeiro olho para os pés, e vejo qual o tênis ele usa. Se for uma marca legal, olho para o resto.  

Na cultura carioca, o funk inicialmente assumiu maior expressão nos bailes de subúrbio, como diversão pura, distanciada da onda de conscientização negra alimentada pelo soul, e da comercialização da música de balanço estimulada pela indústria fonográfica.
Nesses bailes, frequentados por milhares de pessoas, surgiram as danças coletivas com coreografias excitantes, passos ensaiados, tão afinados, que impressionavam pela unicidade que evocavam no olhar do espectador.
A festa servia para tudo e para nada. Diversão pura. Descarga de adrenalina, busca de uma vida sem limites, que no cerne guardava a promessa de apagamento do traço. Situava-se na fronteira do inédito. Não existem bailes como esses em nenhum outro lugar do mundo, segundo afirmou Hermano Vianna.
A qualidade da festa dependia da animação que o balanço raro da música importada, pouco conhecida, despertava. Mas a aceitação não era imediata. Antes, ela precisava ser testada, ver se servia para ser devorada. Uma vez aceita, era metamorfoseada, recriada na festa, em forma de refrões alegres e/ou obscenos.
Na festa reinava um erotismo contagiante, ora trabalhado nas coreografias espontâneas, ora apresentado como espetáculo em exibições programadas.
O clima alegre do baile se deve ao DJ, que se diverte em levar a massa ao delírio do transe, para apaziguá-lo em seguida, brincando com a domesticação do coletivo.
Na massa compacta que exacerbava excessos na pista de dança, o que pulsava latente era a possibilidade do massacre. Mas, de que massacre os DJs tinham medo?
A festa convivia com a expectativa da briga, do pânico, da morte que, às vezes, de fato acontecia. Mas o DJ apontava um perigo além que ele via como uma ameaça, porque pressentia o jogo perigoso que manipulava, ao lançar a proposta de fazer crescer a excitação libidinal até um ponto máximo, para depois dissolvê-la, tranquilizá-la no rala-rala, momento em que se formavam os pares românticos, em que se produzia uma movimentação que se assemelhava ao ato sexual, em que a fantasia de dissolução e de aniquilamento estava presente.
O DJ descrevia tal movimentação do baile como a ideal, identificando aí toda a sua maestria. Algumas vezes, a calmaria do aconchego não era alcançada e os ânimos se acirravam na explosão que transformava o baile em campo de guerra.
O que levava os jovens a buscar o baile como diversão? Muitos adolescentes ressaltavam o gosto pela música, pela dança, pela paquera. Outros diziam que eram movidos pelo prazer de brigar.
A possibilidade de haver brigas no baile era uma constante. Toda a sua organização trabalhava para manter estrito controle sobre a explosão. A empolgação excessiva era a tônica. Acalmá-la implicaria destruir o clima eufórico que melhor o caracterizava. Contudo, não era raro que a forte vibração terminasse em pancadaria.
            A emoção da luta entre galeras revelava o prazer do confronto dentro e fora do baile. A luta decidia a posição do grupo ante os demais e a reputação de cada membro dentro de sua galera.
A força da galera dependia da disposição de briga, em que a virilidade se desvelava no embate que transitava entre o lúdico e o erótico.
            Jovens moradores de bairros populares, favelas e conjuntos habitacionais uniam-se em pequenos grupos, agregavam-se em torno da proximidade espacial ou da adesão a determinado comando.
Na aparente disputa territorial, encenava-se o jogo entre grupos inimigos. As rivalidades eclodiam em diferenciações objetivas que garantiam a integridade do nós e o reconhecimento dos outros; diferenciação do eu que se encobria e se protegia, anônimo, no nós.
As galeras se reuniam nos bailes de clube, território livre onde o confronto podia ser potencializado conforme a liderança do DJ e da equipe que organizava o baile.
Na manipulação dos ritmos mixados pelo DJ a tensão se elevava e as brigas se intensificavam, momento de auge da festa. No baile chamado corredor, a orgia se traduzia no entusiasmo das brigas, comandadas pelos organizadores que dividiam o espaço físico em territórios para permitir o confronto aberto entre os diferentes grupos.
Mas, muitas letras de funk condenavam as brigas. Elas investiam contra a violência praticada nos bailes e entre as galeras, demarcando uma ideologia de classe, revolvendo a discussão politizada quase esquecida pela música popular.  

Surfista Zona Sul tem corpo morenão
Surfista Zona Norte queimado de alta tensão
Surfista Zona Sul desliza cheio de graça
Surfista Zona Norte com a mão suja de graxa
Surfista Zona Sul vai da Barra pro Havaí
Surfista Zona Norte da Central a Japeri.
(Rap do Surfista, Marlboro, Juca e Mosca)

No discurso cortante, pouco melodioso, sente-se fluir o realismo em estado bruto. A música novamente começava a se transformar em veículo de denúncia dos contrastes e das injustiças sociais.
Valorizando produções musicais, como esta aqui citada, que dramatizam a vida pobre e mundana das camadas populares, o funk abria espaço para se tornar o principal porta-voz das dificuldades cotidianas enfrentadas pelas comunidades periféricas.