quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O Retorno

 
Não havia passado, sequer, três meses, desde a fuga de Marco da Escola João Luiz Alves, quando ele foi novamente apreendido.
No tempo em que permaneceu solto, o sistema passou por uma grande reviravolta. Tanto o Padre Severino quanto a João Luiz Alves estavam com suas instalações imprestáveis àquela altura.
Essas escolas haviam sido praticamente destruídas nas rebeliões de outubro.
Nada ainda havia sido feito para equacionar o problema, do ponto de vista da estrutura material das escolas. Mas, o atendimento não podia parar. O trabalho prosseguia, malgrado a situação de ruína das escolas.
As autoridades declaravam, nos jornais, a edificação de novos equipamentos para o sistema.
Previa-se construir entre dez e vinte pequenas escolas, espalhadas por todo o Estado, aparelhadas para atender cerca de cinquenta adolescentes.
Nenhuma das promessas noticiadas foi cumprida pelo governo.
As reportagens, da época, se referiam a um projeto de substituição dos grandes internatos existentes por um modelo institucional chamado centro de atendimento intensivo, gabaritado com uma estrutura funcional descentralizada, com capacidade para realizar atendimento personalizado ao adolescente.
Condição que as equipes técnicas consideravam fundamental para pôr em prática a filosofia socioeducativa preconizada no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Eu havia estado recentemente na João Luiz Alves, mais ou menos dois meses após as rebeliões. Assustou-me ver os corredores ainda às escuras, com entulhos de demolição: pedaços de paus, pedras e vidros. Todo esse lixo perigoso permanecia amontoado pelos cantos dos corredores.
A Comlurb não aparecia para removê-los, diziam os diretores das escolas. Eles reclamavam que os adolescentes se apropriavam desses restos para fabricarem armas.
Os jovens aproveitavam para exercitar a criatividade produzindo estoques artesanais.
O ciclo enlouquecido do dia a dia urbano impõe o funcionamento da máquina a qualquer custo.
O circuito funcionava, então, no automatismo oficial: os policiais prendiam, os processos transcorriam dentro dos trâmites legais e os juízes determinavam a execução das medidas aplicadas.
Enquanto isso, a Escola João Luiz Alves, nas condições em que se encontrava, não podia se responsabilizar pela custódia de Marco.
E o sistema nada tinha a oferecer como alternativa a processos como esse que exigiam uma medida de internação.

Contradições grotescas de nossa realidade social.

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