segunda-feira, 6 de maio de 2013

A internação meteórica


Marco chegou na João Luiz Alves em agosto de noventa e quatro, em pleno período de mudanças administrativas, chamado de transição gradual. 
Era a primeira vez que atravessava os portões da Mansão. O que, de certa forma, representava para ele um elogio.
No campo em que escolhera brilhar, contar na bagagem com algumas entradas na João Luiz Alves significa um trunfo, uma carta mestra que permite lances para “boas jogadas”. 
Ele funcionou nessa direção: aproveitar a estadia para um lance que lhe fortalecesse no jogo.
O contexto institucional era propício. As regras móveis, como um terreno que se abre em decorrência de uma movimentação mais interior, e as coisas da superfície desabam antes da acomodação.
Marco não “aprontou nenhuma” por lá, sua permanência foi rápida. Meteórica. Perseguia um objetivo com clara determinação e todas as alianças que fez apenas visavam atingi-lo.
Não demorou muito para realizar sua jogada.
Fugiu. Sem estardalhaço.
Como? Pulou o muro. Simples assim.
            A fuga nada teve de espetacular. Não custou tempo nem dinheiro. Não foi preciso ser criativo, pois não precisou pôr em prática um plano engenhoso, tamanha a facilidade que encontrou. Fugiu, deixando para trás uma realidade que se esfacelou dentro de poucos meses.
            A tensão nas escolas crescia a cada dia, até culminar com o ciclo infindável de rebeliões que marcou a história da João Luiz Alves.
Uma das primeiras rebeliões aconteceu numa noite de sexta-feira, deixando um rastro irreparável de destruição na escola. Os adolescentes botaram fogo nos dormitórios, na cozinha, na administração e no refeitório. Quebraram grande parte do mobiliário. 
O incêndio durou cerca de duas horas até ser controlado pelo corpo de bombeiros, que se empenhou para que as chamas não se propagassem até o antigo posto de gasolina que existia no prédio. Houve explosões de bujões de gás e de um transformador.
O prédio foi tomado por tropas da Polícia de Choque e da Aeronáutica, que encurralaram os jovens no pátio da escola.
Era a segunda rebelião que acontecia na mesma semana, e se espelhava em outra ocorrida naquela mesma semana, no Padre Severino, de onde fugiram mais de noventa internos. 
Após as rebeliões, os corredores ficaram às escuras. Ameaçadores. No pavilhão da administração escolar, o que antes eram salas, dera lugar a enormes montes de pedras, restos do prédio onde se guardava prontuários, a história da instituição e dos alunos.
O quadro lúgubre não foi amenizado com medidas práticas por parte do estado e os adolescentes continuaram sendo mandados para lá. Exceto alguns, poucos, considerados de maior risco, que exigiam muito empenho da vigilância, passaram a ser custodiados no quartel da Polícia Militar.