quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Surge o código criminal

Uma das críticas que os reformadores liberais faziam ao sistema legal era a sua arbitrariedade. A acusação do crime e a sentença ficavam à mercê do magistrado.
Quando o juiz era o intendente de polícia, por exemplo, o caso era decidido pela mesma autoridade sob a qual fora efetuada a prisão. Não havia presença pública neutra no processo judicial. Na instância inferior, em crimes menores, não havia sequer o registro do caso.
Essa situação levou os reformadores a propor um código que definisse a atividade criminal e prescrevesse uma pena para cada tipo de delito. Achavam também que um código separado do processo criminal deveria especificar como a pessoa acusada de um crime seria tratada depois da prisão.
Em dezembro de 1830, antes de Dom Pedro I abandonar o trono, o Parlamento aprovou um código criminal que especificava os princípios estabelecidos pela Constituição de 1824. Esse código foi a base legal da ação policial, até ser atualizado e substituído em 1890 pelo código penal da República.
O código criminal estabeleceu o modelo e a estrutura em que se desenvolveram as normas e os métodos policiais nas instâncias inferiores.
Da criação da Intendência Geral da Polícia em 1808 à promulgação do código criminal em 1830, o Brasil percorreu um longo caminho rumo a sua autonomia.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Capitão-do-mato

Os capitães-do-mato foram extintos do Rio de Janeiro na década de 1820. Eles eram caçadores de recompensas que faziam parte do sistema de controle de escravos no Brasil desde o século XVII.
Em muitos lugares eles se tornaram uma protopolícia, com ajudantes armados que tinham permissão dos governos locais para caçar escravos fugitivos.
Os senhores de escravos desejavam reduzir ao mínimo as fugas, mas tinham de equilibrar os ônus das freqüentes prisões ou da vigilância armada de seus trabalhadores com as taxas pagas ao capitão-do-mato.
Quando o intendente assumiu seu cargo, após a chegada da família real ao Brasil, recebeu uma série de relatórios sobre as atividades dos capitães-do-mato, nos quais eles eram acusados de seqüestrar escravos para fins de extorsão ou venda ilegal.
Desde então os capitães-do-mato começaram a ser vistos como supérfluos. E as instituições policiais passaram a assumir a tarefa de apreensão dos escravos fugitivos. Até que esta acabou se tornando a principal atividade policial.
As recompensas pela captura de escravos continuavam a ser oferecidas aos soldados de polícia. A Guarda Real estava sempre disponível para qualquer convocação, e a disciplina militar exigia que seus membros saíssem ao encalço dos fugitivos se assim lhes ordenassem.
Mas o problema das exigências ilegais e excessivas que os caçadores de escravos impunham aos senhores não ficou resolvido com a substituição dos agentes privados pela polícia.
Os soldados da Guarda Real também se tornaram corruptos, cometiam abusos de autoridade e se envolviam em práticas de extorsão.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Lei igual para todos

A polícia do início do século XIX reduzira sua agressividade no trato com os escravos e os pobres livres. Apesar de o açoite ainda ser praticado nessa época, a polícia buscava refinar e padronizar seus procedimentos, tornando-os instrumentos de repressão mais precisos e eficientes.
Disciplina militar, ordens permanentes e instruções específicas já faziam parte do conjunto de técnicas da atividade policial. Data também desse tempo, a exigência de que a polícia se submetesse à autoridade judicial civil por meio de mandados, audiências e ordens de tribunais.
Como incentivo à diligência policial, recompensas pela captura de ladrões e salteadores eram permitidas e mesmo incentivadas.
As patrulhas eram autorizadas a parar e revistar qualquer pessoa em busca de armas ou instrumentos ilegais, salvo pessoas notoriamente conhecidas e de probidade reconhecida.
A declaração de princípios da Constituição sobre direitos civis – a lei será igual para todos – nada tinha a ver com a vida do vale tudo das ruas. E o escravo se deparava com uma barreira especial porque ele era propriedade, e não cidadão.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Contradições da legalidade no estado moderno

Nas primeiras décadas de independência o Brasil iniciava sua tradição liberal. E, para romper com o passado colonial, sentia-se a necessidade de criar atributos básicos para o estado, tais como: legislação penal, instituições e procedimentos judiciais.
Os liberais, e mesmo os conservadores do período da independência, viam a polícia e os procedimentos judiciais existentes como relíquias antiquadas de uma era passada, como um legado da opressão colonial.
A polícia havia surgido no estado absolutista como um artefato administrativo natural, apartado da política partidária. Então, a partir desse momento de mudanças estruturais, passou a figurar como órgão público característico do estado moderno.
Vivia-se um dilema que refletia as contradições da ideologia liberal. Os líderes políticos desejavam livrar-se da tutela colonial e do absolutismo monárquico, mas reconheciam que rupturas na forma de dominação em que se baseava a sociedade poderiam trazer transtornos para seu próprio status.
Muitas vezes a polícia praticava atos para os quais não havia base legal, como a repressão à capoeira, por exemplo. E o mesmo aparato político, judicial e policial que prendia e punia fisicamente os capoeiras, favorecia a violação da lei que proibia o tráfico dos escravos. Esses fatos ilustram o enraizamento da ilegalidade consentida na cultura brasileira.
O que se poderia esperar senão o distanciamento que a população pobre se reservava em relação às normas que a elite desejava impor?
Em maio de 1821, logo após assumir a regência, dom Pedro deu o primeiro passo para regulamentar as práticas policiais e judiciais.
Ele decretou que ninguém poderia ser preso a não ser por mandado judicial ou em flagrante, que as acusações formais contra o detento deveriam ser feitas no prazo de 48 horas após a prisão, que ninguém seria encarcerado sem que fosse condenado em tribunal aberto, que não usariam grilhões nem correntes e que a tortura deixaria de ser usada como punição.
Mas duas semanas depois, ele votou atrás em sua decisão ao decretar uma lista de salvaguardas semelhantes às da Constituição liberal portuguesa.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A organização da polícia

No Brasil colônia não havia a estrutura de uma polícia profissional e uniformizada, separada do sistema judicial e das unidades militares. Mas a polícia se organizou desde o início como instituição militar.
Havia também guardas civis desarmados e quadrilheiros que exerciam uma vigilância rudimentar. Os guardas civis eram contratados pelo conselho municipal da cidade para fazer a ronda e vigiar atividades suspeitas, enquanto os quadrilheiros eram designados pelos juízes e tinham a função de inspecionar os bairros.
Os guardas não tinham autoridade para agir por conta própria, e eram instruídos a prender os transgressores em flagrante. A autoridade permanecia com os que ocupavam postos mais altos no sistema: os representantes administrativos, militares e judiciais.
Em circunstâncias de perturbação civil, quando se demandava força armada para controlar a multidão, o juiz ou outro funcionário podia convocar tropas do exército da guarnição local, unidades de milícias ou reservas que eram chamados de ordenanças.
O exército contava com uma estrutura profissional e corporativa, já no século XVIII. As milícias eram constituídas por moradores do local que vestiam uniformes quando em serviço, portavam armas e recebiam treinamento dos oficiais regulares do exército. Mas eles só eram convocados nas emergências.
As ordenanças eram constituídas por outros membros da comunidade livre, que se apresentavam fisicamente aptos e eram do sexo masculino. Estes tinham que conseguir uniformes e armas por conta própria. Pouco se fazia para treiná-los.
As milícias e, sobretudo as ordenanças, não eram consideradas forças de combate, mas a maioria desses cidadãos voluntários se identificava com o regime e com as forças da ordem.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A origem social dos praças

O colonizador português trouxe para o Brasil a ideologia e o exercício da inquisição. Implantou aqui sua tradição, e assim influenciou o desabrochar social do Brasil, que permaneceu calcado na experiência da tortura e da confissão, garantidas estas pela organização de uma nação formada desde sua origem por senhores e escravos.
À sombra desses lugares sociais claramente delimitados, cresceu outra categoria social que nos primórdios do século XIX emparelhava-se em número à população escrava urbana. Os historiadores denominam-na de pobres livres, ou classe baixa não-escrava.
Eram os pobres sem patrão, que podiam ser divididos em grupos mais ou menos específicos, dentre os quais destacamos os praças do sistema policial.
A diversidade étnica dessa camada de pobres livres era grande e complexa. Era formada por índios, negros, mulatos e imigrantes. Vindos de culturas tão diversas, o que essa população tinha em comum era a pobreza e a falta de poder. Suas vidas eram pautadas por códigos de condutas diferentes e contraditórios.
Os praças saíam dessa classe baixa livre que era também alvo de repressão policial. E, sob as orientações dos administradores civis e juízes, eles dispunham de ampla liberdade ao executar suas missões. Seus métodos espelhavam a brutalidade da vida nas ruas e da sociedade escravocrata.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Os códigos do período colonial

As instituições do período colonial foram estabelecidas sob o Código Afonsino de meados do século XV, o Código Manuelino do início do século XVI e o Código Filipino do início do século XVII.
Através desses códigos tentava-se ordenar, na península ibérica, as leis, os decretos e as práticas consuetudinárias seculares que se acumulavam desde a antiga Roma, dos reinos visigóticos (que se seguiram ao domínio romano) e das práticas judiciais inquisitórias.

Portugal estabeleceu em suas colônias um elaborado sistema judicial que era essencial para a manutenção do império, e os juízes estavam entre os principais representantes da autoridade monárquica.
A lei penal era regida pelo livro V do Código Filipino, que respaldava os mecanismos do absolutismo. Apenas agentes da coroa, e não particulares, podiam iniciar o processo.
Somente juízes reais podiam reunir e avaliar provas, decidindo quais eram relevantes e quais deviam ser excluídas. E a tortura judicial era utilizada como um instrumento importante para extrair confissões.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Os senhores do engenho

Apesar das mudanças ocorridas na sociedade brasileira desde a abolição da escravatura, carregamos ainda hoje o peso de nossa origem histórica: de ter sido uma colônia que desenvolveu a vocação para o trabalho agrícola como forma de servir à coroa portuguesa.
Em Casa grande e senzala, Gilberto Freire retrata a família rural como a principal unidade produtiva e de controle com que contou o colonizador.
Numa época em que eram trazidas nações africanas praticamente inteiras para o Brasil, o senhor do engenho, um patriarca com poderes feudais, foi quem sustentou e aqueceu esse comércio indecoroso, mantendo sobre férreo controle seu direito de propriedade sobre os negros feitos escravos.
Funcionando muito além do papel de produtor em franca expansão, o senhor do engenho pôde impor e disseminar a visão do colonizador.
Os senhores do engenho formaram o núcleo da elite política. E contra essa autoridade privada, a impessoalidade do estado era praticamente nula, tanto quanto inócuo era o poder da igreja.
Porque na verdade, o aparato do estado, a igreja e a aristocracia rural eram aliados. Formavam a elite que contava como importante para as decisões sobre os rumos que seriam tomados.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A Guarda Real

Quando a comitiva real portuguesa chegou ao Rio de Janeiro, em 1808, encontrou uma cidade cujo espaço público era conturbado, sujo, hostil e com um constante fluxo de pessoas. Deparou-se com uma população empobrecida que contava com enorme quantidade de escravos africanos.
O governo real logo assumiu o desafio de manter sob controle essa população, com um aparato repressor cuja máquina já havia sido criada em Lisboa: a Intendência Geral da Polícia.
O corpo policial militarizado dessa Intendência – a Guarda Real da Polícia – com ampla autoridade para manter a ordem, serviu de modelo às demais instituições policiais da cidade.
A intendência se baseava no modelo francês introduzido em Portugal em 1760. Era o protótipo para uma ação policial autoritária.
O intendente ocupava cargo de desembargador e era considerado ministro de estado. Seu poder era enorme: decidia sobre os comportamentos criminosos, estabelecia a punição que julgasse apropriada, prendia, levava a julgamento, condenava e supervisionava a sentença dos encarcerados.
Ele representava a autoridade do rei, cujo cargo englobava poderes absolutistas: legislativos, executivos e judiciais.
O mesmo decreto real que criou a intendência delegou também poderes de autoridade judicial sobre delitos menores à polícia.
O gabinete do intendente e a Guarda Real eram pagos com o dinheiro arrecadado dos impostos sobre serviços e eventos públicos. A autoridade emanava do rei, mas os recursos para a polícia provinham de taxas, empréstimos privados e subvenções dos comerciantes locais e proprietários de terras. Essa situação refletia as ambigüidades políticas daqueles tempos.
A missão da Guarda Real era manter a tranqüilidade pública entre outras obrigações relativas à ordem civil. A guarda se espraiava por diversos locais, principalmente na área do centro da cidade.
Seus membros se vestiam como soldados, com jaquetas azuis e cartucheiras de couro a tiracolo. Lembrava a guarda republicana francesa.
Para ajudar o trabalho de controle que cabia ao intendente, a cidade foi dividida em dois distritos judiciais, com dois juízes do crime, um para cada distrito. Esses juízes se subordinavam ao intendente e desempenhavam em seus respectivos distritos a mesma combinação das funções judicial e policial. O que nos leva a entender que a mistura dessas funções - judicial e policial - data da fundação da polícia no Brasil.