segunda-feira, 31 de maio de 2010

Condições necessárias ao amor

A escolha amorosa tem origem na fixação infantil dos sentimentos de ternura pela mãe. Representa uma conseqüência dessa fixação.
A corrente pulsional que resgata a possibilidade de amar se encontra na zona de confluência entre a ternura e a sensualidade.
O amor contém em si o protótipo materno, que pode ser exemplificado pela preferência dos jovens por mulheres maduras.
Na primeira parte das Contribuições à psicologia do amor, Freud descreve os tipos de escolha amorosa, caracterizadas por ele como condições necessárias ao amor.
A primeira dessas condições é a idéia que deve existir, como precondição, uma terceira pessoa prejudicada que gratifica impulsos de agressividade do terceiro excluído.
O amante dificilmente escolhe uma mulher sem compromisso como objeto amoroso. Seu amor recai sobre aquela a quem outro homem pode reivindicar direitos de posse.
Essa condição fornece a oportunidade para o surgimento de impulsos de rivalidade e de hostilidade dirigidos ao homem com quem a mulher está comprometida.
A segunda condição destaca o amor à cortesã. Essa condição favorece o aparecimento do ciúme apaixonado. Enquanto que a mulher de reputação irrepreensível dificilmente exerce atração.
É na puberdade que a corrente sensual se separa da corrente afetuosa. O homem pode mostrar-se entusiasmado por mulheres a quem dedica respeito, embora não o excitem sexualmente; e mostrar-se potente com mulheres a quem não ama ou até mesmo despreza.
Em geral, o jovem efetua certa síntese entre o amor celeste e o sensual. A relação com o objeto sexual se caracteriza pela interação de uma desinibição e inibição em seu objetivo.
O amado desfruta de uma supervalorização que supera qualquer crítica. Com a sensualidade reprimida, produz-se a ilusão de que o objeto passou a ser amado graças aos seus méritos intelectuais. O objeto passa a ser tratado como o próprio eu.
No amor, um quantum de libido narcisista transborda para o objeto. Amamos as perfeições que gostaríamos de conquistar para o próprio eu que, por sua vez, se mostra cada vez mais modesto. Em contraposição, o objeto passa a ser visto como sublime e precioso.
No amor infeliz, cego, insatisfeito, o objeto se coloca no lugar do ideal do eu. O eu introjeta o amado em si próprio. O objeto se perde nessa identificação, ao passo que eu promove em si mesmo uma alteração conforme o modelo do objeto perdido.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Mito e poder

O jogo intrínseco à fala mítica revela como o mito resguarda seu poder naturalizado, permanecendo congelado.
Se o mito possui uma intenção, o propósito de notificar algo, isto ocorre porque ele é pleno de motivação, ou seja, de um interesse ideológico que dele se serve para passar uma mensagem sem apresentar claramente sua intenção.
O mito instrumentaliza o poder justamente por força de seu poder de de fixar um sentido dado como natural.
O tabu é a forma como o interdito adquire presença nos costumes, ou melhor, é o dispositivo que o coletivo criou para impor suas proibições, dizendo o que pode e o que não pode ser dito e feito.
O mito imanta o tabu de uma fala capacitada a tornar a interdição algo naturalizado; dissocia na sua forma ambígua, a intencionalidade de que é pleno.
A eficiência instrumental do jogo mítico derramada sobre o tabu faz com que este se transborde em eficácia simbólica.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Duplicidade do mito

O mito é um sistema que apresenta perpétua duplicidade. O seu ponto de partida coincide com o ponto onde termina um sentido.
Essa característica, inerente ao mito, é aquilo que o capacita a encarnar o jogo. Onipresença que se reproduz como um álibi.
Também no álibi, há um lugar pleno e um lugar vazio, que permanecem ligados por uma relação de identidade negativa (não estou onde vocês pensam que estou, estou onde vocês pensam que não estou).
O mito se presta a ser um eterno álibi: o sentido existe para apresentar a forma; a forma existe para disfarçar o sentido.
Seguindo a compreensão de Barthes, a regra desse jogo se esclarece pela decifração do mito, quando se estanca o fluxo contraditório e dinâmico entre forma vazia e presente; sentido pleno e ausente, para se poder centralizar a atenção em cada um deles separadamente, encarando-os como objetos distintos.
Sabe-se, de antemão, que o discurso mítico guarda sempre uma intencionalidade e uma literalidade, características de seu jogar ambíguo.
A intenção petrificada, purificada, eternizada, está pronta para permanecer congelada, ausente, na literalidade.
O formato vazio da literalidade nos leva a uma constatação que faz passar, meio transparente no discurso, uma notificação imperativa.
A força da interpelação mítica está contida na morte da história. É a suspensão das circunstâncias, dos detalhes, das particularidades, que dota a fala de uma generalidade a-histórica.
Ao contrário do princípio lingüístico, no qual o signo é arbitrário, a significação do mito é sempre motivada. Sua intenção aparenta uma utilidade natural e necessária.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O conceito do mito

Na passagem do sentido à forma, a imagem se destitui de seu saber para ficar disponível ao saber do conceito, através do qual uma nova história se implanta no mito, investindo-se assim o conceito de um dado conhecimento da realidade.
O saber do conceito mítico é aberto e confuso porque é formado por associações ilimitadas, originando uma condensação instável.
O conceito do mito e o sentido são unidos por uma relação de deformação, É na produção dessa relação que se encontra a função do mito.
A deformação que ocorre no míto se assemelha ao processo descrito pela psicanálise, onde o sentido latente deforma o sentido manifesto.
No mito, é o conceito que deforma o sentido. Isso é possível porque o significante adquire duas faces: uma plena, que é o sentido; e uma vazia, que é a forma. A deformação se dá na face plena, no sentido.
O conceito não prescinde do sentido, mas torna-o quase apagado. Retira-lhe a memória e preserva-lhe a existência. De modo que o conceito deforma, mas não elimina o sentido, apenas o aliena de sua história.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O significante do mito

Roland Barthes propõe um tipo de análise para decifração dos mitos, na qual ele estabelece uma correlação entre os termos do sistema mítico com os termos do sistema lingüístico de Saussure, a saber: significante, significado e signo lingüístico.
Segundo o esquema proposto por Barthes, no plano do mito, o significante passa a ser chamado de forma, ocupando o primeiro lugar do sistema mítico. Ao significado ele chama de conceito; e o terceiro termo, o signo lingüístico, ele chama de significação.
Assim, temos: a forma, como primeiro termo, que corresponde ao significante lingüístico; o conceito, como segundo termo, que corresponde ao significado lingüístico; e a significação, como terceiro termo, que corresponde ao signo lingüístico.
A significação compreende o próprio mito, da mesma forma como o signo de Saussure é a palavra, ou seja, uma entidade concreta.
A significação serve para nomear a dupla função contida no mito: por um lado, torna-o compreensível; por outro, impõe-lhe um sentido, através de sua força intencional, de seu caráter imperativo.
O significante do mito é, portanto, simultaneamente sentido e forma. Como sentido, apresenta a leitura de uma dada realidade sensorial que comporta uma racionalidade própria, isto é, uma história cuja significação já está construída.
O sentido é pleno de saber, memória, moral... Mas o mito torna esse sentido uma forma vazia. Efetua uma permuta: do sentido à forma; do signo lingüístico ao significante mítico. O sentido evacua seu valor, e mantém-se como forma viva, porém submissa, com a função de sedimentar o mito.