O mito é um sistema que apresenta perpétua duplicidade. O seu ponto de partida coincide com o ponto onde termina um sentido. Essa característica, inerente ao mito, é aquilo que o capacita a encarnar o jogo. Onipresença que se reproduz como um álibi. Também no álibi, há um lugar pleno e um lugar vazio, que permanecem ligados por uma relação de identidade negativa (não estou onde vocês pensam que estou, estou onde vocês pensam que não estou). O mito se presta a ser um eterno álibi: o sentido existe para apresentar a forma; a forma existe para disfarçar o sentido. Seguindo a compreensão de Barthes, a regra desse jogo se esclarece pela decifração do mito, quando se estanca o fluxo contraditório e dinâmico entre forma vazia e presente; sentido pleno e ausente, para se poder centralizar a atenção em cada um deles separadamente, encarando-os como objetos distintos. Sabe-se, de antemão, que o discurso mítico guarda sempre uma intencionalidade e uma literalidade, características de seu jogar ambíguo. A intenção petrificada, purificada, eternizada, está pronta para permanecer congelada, ausente, na literalidade. O formato vazio da literalidade nos leva a uma constatação que faz passar, meio transparente no discurso, uma notificação imperativa. A força da interpelação mítica está contida na morte da história. É a suspensão das circunstâncias, dos detalhes, das particularidades, que dota a fala de uma generalidade a-histórica. Ao contrário do princípio lingüístico, no qual o signo é arbitrário, a significação do mito é sempre motivada. Sua intenção aparenta uma utilidade natural e necessária.
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