sexta-feira, 31 de julho de 2009

Modelo de intervenção

O modelo de intervenção clínico-institucional usado na segunda vara da infância e da juventude está ainda sendo construído e fundamentado. Contudo, podemos assentar algumas considerações.
A primeira é que o jovem não pode ser visto como alguém que porta uma doença. Para evitarmos o mesmo erro da tradição nosográfica da psiquiatria e do enquadramento criminológico, cujo vício, em ambos os casos, está em conceder privilégio ao aspecto patológico do indivíduo, transformando-o em sede onde reina o mal.
Nossa proposta é clarificar como se processa a captura consentida de um sujeito que personifica questões indizíveis, que é feito depositário de uma alteração que brota no cerne da família ou do grupo que ele representa.
A atenção clínica se volta para a família, buscando delinear a alienação na qual ela se fecha. Abordagem focal que se desenrola no imediato, no pronto atendimento limitado ao aqui e agora.
Intervenção realizada através da escuta, que permite ao sujeito se reportar pela palavra a questões que aparecem como dominantes naquele momento que marca a sua passagem pela justiça.
Então, o convite que o psicólogo oferece à família é para que aproveite aquele momento, já que inevitável, para olhar os problemas que têm sido negligenciados.
Sabemos que os pais se sentem desamparados ante a responsabilidade com a educação (no sentido amplo) dos filhos, especialmente quando estes são adolescentes, predispostos que estão a explorar novas experiências, a abrir-se a muitos desafios.
Uma proposta de colaboração mútua entre psicólogo e família é em geral bem aceita quando se consegue fazer com que a família perceba que ela será apoiada ao invés de culpabilizada.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Planejamento e integração

O psicólogo na justiça muitas vezes se depara com dificuldades em sua abordagem que, na maioria dos casos, podem ser atribuídas à falta de planejamento em adequar o espaço físico para comportar um atendimento dessa natureza.
O ambiente na psicologia precisa ser visto como instrumento de trabalho que favorece a recepção respeitosa, a privacidade e a intimidade acolhedora. Condições consideradas básicas para o proceder profissional do psicólogo.
A negligência da justiça com a observância dessas condições revela sua contradição ao partilhar seu espaço de trabalho com a psicologia. Mas é verdade que muito já se conquistou nesse terreno. Mesmo antes da criação do cargo de psicólogo.
E cabe observar que boa parte dos atendimentos realizados, ainda que em condições precárias, chega a bom termo ao seu final. Isto porque, nesses casos, se pôde contar com a colaboração das partes e se pôde chegar a uma compreensão razoável da passagem do jovem pela justiça: o que concorreu para que ela ocorresse, o que significou para cada um e o que pode ser aproveitado dessa experiência desagradável em favor do amadurecimento nas relações familiares. Momento ideal para se efetuar encaminhamentos, caso sejam necessários.
São muitas as atividades a que os psicólogos podem se dedicar nesse campo de atuação, como também são muitas as dificuldades a serem enfrentadas. A luta contra o isolamento na dinâmica interna da vara e o esforço para trabalhar em equipes interdisciplinares, por exemplo, comportam desafios para a equipe de psicologia que muitas vezes se resguarda e se afasta dos demais profissionais que colocam em funcionamento a missão da justiça.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Encaminhamento à psicologia

Quando o jovem é encaminhado à psicologia na segunda vara da infância e juventude, ele chega acompanhado de seu responsável. É comum se apresentar em companhia da mãe, da avó, do pai ou do casal de genitores (nesta ordem).
O certo é que ele é conduzido à psicologia por uma demanda da instituição, que não implica nada do desejo dele nem da família. Daí discutir-se o que há de genuíno nesse momento de chegada.
O que valorizamos nesse momento é a possibilidade do psicólogo realizar um trabalho diferenciado da intervenção exclusivamente pericial, de modo que sua intervenção traga benefícios não só ao pedido explicito da instituição, mas também à população usuária desse serviço.
Quando se trabalha com coletividades em nível público sempre se corre o risco de desempenhar um papel de normatização higienista da conduta, pura e simplesmente.
Embora esse problema não seja típico apenas da psicologia e nem se particularize na realidade da justiça, não se pode deixar de considerar que esse campo de trabalho encerra armadilhas dessa natureza.
E com tal freqüência isso acontece, que as armadilhas se tornam inerentes às atividades as quais os psicólogos se dedicam nessa instituição. Mas esse argumento não invalida o trabalho, antes, o particulariza.
A prática da psicologia no judiciário pode se transformar num veículo de cometimento de violências estruturais. Isso merece atenção.
Contudo, violências nós as cometemos sempre que somos imprudentes nos nossos atendimentos, seja no âmbito público ou privado.
Por isso toda cautela é bem-vinda quando emitimos laudos ou quando vamos de encontro ao pedido mudo de ajuda das pessoas.
Sou de opinião, por outro lado, que a falta de opções por parte da população que usualmente freqüenta essa vara não nos dá o direito de opções elitistas. Atender com dignidade a população que transita nos corredores da justiça se reveste de importância social.
Dar a chance a de que a população seja adequadamente ouvida no espaço público é antes um compromisso ético no âmbito do serviço público.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Estudo de caso

Na justiça da infância e da juventude o exame pericial toma o nome de estudo de caso. Pedido que é formulado pela autoridade judiciária.
Em geral, o estudo do caso é realizado por um psicólogo e ou um assistente social em efetivo exercício nesse juízo especializado.
Cada profissional apresenta seu relatório, respeitando os prazos judiciais. E o relatório contempla, inclusive, sugestões sobre medidas a serem adotadas.
O processo constitui o primeiro recurso de que o especialista pode se valer para a obtenção de informações sobre o fato e as circunstâncias que circundam o ato: a forma da execução, as explicações contidas no primeiro interrogatório, a versão da vítima e das testemunhas.
Cabe perguntar, contudo, se essa consulta prévia dos autos não incorre no risco de direcionar inconscientemente o especialista na condução de seu exame.
Durante a vigência do estudo, o adolescente e sua família permanecem à disposição da justiça. Os pais ou responsáveis e demais membros da família podem também ser convocados para entrevista com o especialista responsável pelo estudo.
Atualmente a justiça incorporou em seus quadros profissionais das ciências humanas como o psicólogo e o assistente social. Essa mudança reflete a proximidade da justiça com as ciências humanas. E esta, por sua vez, está mais próxima da abordagem pluridimensional que valoriza contribuições de diferentes campos do saber.
Mas essas alianças – da justiça com as ciências humanas - ainda que salutares envolvem riscos que precisam ser melhor examinados, como por exemplo a cumplicidade desses saberes com o estabelecimento de um controle coercitivo mais sutil e disciplinado através do uso desses conhecimentos técnicos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Dívida social

A segunda vara da infância e da juventude absorve o peso dos encargos públicos não equacionados; recebe o impacto da conseqüência do endividamento social que se alastra no tecido mais desprotegido da sociedade.
A experiência na segunda vara demonstra que não se pode desprezar o pedido de socorro das famílias que são conduzidas a esse juízo, pois ele encarna a função de pronto-socorro psicossocial; o último recurso para a angústia que grita no íntimo dessas pessoas.
Claro que esse pedido de ajuda não se explicita em palavras - mas em atos. Basta que se tenha ouvidos argutos para escutar as histórias trazidas por essas famílias para sentir ecoar no ambiente dessa vara os pedidos de socorro.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

O exercício clínico-institucional na justiça visto a partir de um exemplo

O objeto de atuação na segunda vara da infância e da juventude incide sobre atos infracionais cometidos por adolescentes.
Quando um jovem atravessa esse limiar da instância jurídica ele testa a existência da lei no seu sentido estrito. E a comprova ao experimentar as conseqüências de sua ação conflitante. O jovem clama a lei. Ela vem ao seu encontro. E ele se apraz com essa forma - transgressora - de explorar a existência da lei.
O processo judiciário assume assim feições simbólicas. Sua eficácia se faz presente na maioria dos casos. Afirmação de fácil comprovação estatística, levando-se em conta que a maior parte dos jovens que chega à segunda vara são considerados primários no circuito judicial. Trata-se de casos relativamente simples que na maioria das vezes sequer chegam à psicologia.
Será que o jurista se dá conta de que a sociedade deposita na função que ele exerce um quantum significativo de investimento simbólico?
Na vivência processual algo de importância estruturante pode advir. Ponto de confluência em que se tocam e se interpenetram duas ordens: simbólica e jurídica.
O juiz representa a ordem jurídica. Disto ninguém duvida. O que quero afirmar aqui é que ele também assume a função de representante da ordem simbólica.
A aproximação dessas ordens precisa implicar necessariamente na humanização dos processos judiciais. O que justifica pensarmos na importância de se pôr em questão dois graves entraves do mundo jurídico: o pensamento viciosamente normativo cultivado pelo direito positivo e a burocracia obsessiva da prática judicial.
Entraves que se complementam para anular o sentido, ao isolar, no lidar processual, o caráter fundamentalmente dramático da história que cada caso encerra.
O índice de reincidência infracional na segunda vara não ultrapassa a margem dos trinta por cento (levando em conta já a segunda entrada).
Os casos reincidentes com os quais tive contato, e que me pareceram mais desafiadores (por exemplo, um jovem de dezesseis anos com vinte e nove entradas no sistema) se situavam em torno dos dezoito por cento.
O que esses números refletem senão a situação sócio-econômica do país? A concentração de renda, a cultura discriminatória, a falta de políticas públicas, a falta de programas eficazes nas áreas de educação, de saúde, de habitação e de segurança pública.