quinta-feira, 13 de março de 2008

Aprisionamento

Ao atravessar os portões da penitenciária de mulheres (1984), a primeira impressão com a qual nos deparamos entra em choque com a imagem previamente formada acerca do mundo particular que se imagina existir atrás daqueles muros. A fantasia criada sobre a vida na prisão é de que, nesta, o rigor assume a proporção do absoluto, e que os encarcerados seriam pessoas que, pela aparência e pelo olhar, transpareceriam a ferocidade gerada pelo rancor e pelo desgosto de estarem sendo obrigados a conviver num ambiente onde a coerção declarada seria a norma que vasculha as ações de modo a desvendar a intenção disciplinar.
A liberalidade aparente que à primeira vista se observava na prisão de mulheres, na verdade, era fruto de um momento circunstancial, e expressava a vontade de repensar os procedimentos utilizados na custódia, visando adequá-los ao pensamento político que ora predominava: o de humanizar as prisões. Esta liberdade consentida, embora controversa, permitia contradizer o preconceito de que o clima na Talavera Bruce era sombrio e ameaçador.
A permanente ameaça de que a qualquer momento possa ocorrer algum tipo de violência paira no ambiente da prisão. É preciso acostumar-se a conviver com a instabilidade, a insegurança. Porque isto é algo inerente à natureza da penitenciária. O ambiente persecutório produz seres paranóides. E a paranóia que advém dessa realidade inevitável responde pela preservação do indivíduo. A qualidade mórbida da paranóia depende da intensidade de como cada um desenvolve este tipo de sentimento defensivo. Sabe-se porém que a prisão propicia uma potencialização dos estados afetivos, dado o aspecto excessivo que encerra a experiência segregadora.
Um número significativo de presas apresenta histórias de vida similares no essencial: ganhavam a vida na rua como prostitutas, e se envolveram na sua maioria como cúmplices em crimes contra o patrimônio. Pessoas que tinham uma vida nada rotineira, marcada pelo inesperado. Acostumaram-se com a vida noturna e agitada da cidade. Ressentem-se da regularidade que, a partir da reclusão, passam a ter que respeitar. Este impacto, contudo, configura-se um mal menor, posto que a fantasia criada sobre o Talavera Bruce era tão ameaçadora que a vivência do cotidiano desmistifica a malignidade imaginada. O monstro não é tão pavoroso quanto se fazia supor.
Sabemos que a população carcerária compõem-se de pessoas oriundas de comunidades marginais, com exceções, acostumadas com a miséria e a vida instável, vida que desde a infância mostrou-se dura e impiedosa. Ante a difícil realidade a ser enfrentada na luta pela sobrevivência, para algumas a prisão viabiliza certa estabilidade, até então desconhecida.
Os afetos, as sensações, são visivelmente intensificados na penitenciária. Marca que diferencia qualitativamente a experiência humana intramuros da vida na sociedade. A somatização é um processo que as presas manifestam de forma generalizada e constante. Elas apresentam uma predisposição a sentir-se doentes. Somatizam, geram e cronificam doenças que se arrastam como que incuráveis. Essa hipocondria não deixa de ser um modo de expressar uma dor não palpável, difícil de ser referida.
Trecho extraído do livro: Cárcere de Mulheres, de Maruza Bastos. Rio de Janeiro. Diadorim Editora. 1997.

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