quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Audiência de reavaliação



Faltavam duas semanas para a audiência de reavaliação de Marco. Hora de rever o trabalho. Construir um posicionamento e organizar o relatório para a audiência.
Eu preferia acreditar que Marco poderia ser trabalhado fora do ambiente de controle policial/judicial, pois achava que ele havia desenvolvido uma demanda subjetiva e que estava sensível à possibilidade de uma intervenção terapêutica.
Aqueles dias me pareceram decisivos para a tomada de decisão de Marco. Ele se debatia em conflitos. Algumas atitudes sorrateiramente se consolidavam. O ódio ao pai mais do que nunca aparecia vívido. Borbulhava na caldeira dos sentimentos.
O desejo de tomar o lugar do avô nos negócios do jogo do bicho saltou como uma seta, apontando outro possível caminho fora do tráfico. Escolha que não o afastaria do jogo, dos perigos, das armadilhas... Continuava instável o seu terreno. O controle dos pontos do jogo do bicho o seduzia.
A fraqueza do pai em contraste com a potência de Marco para assumir esse controle, aparecia como uma justificativa de seu desejo para se impor nesse lugar.
O que significava tomar para si os negócios do avô?
O desejo de tomar o lugar do pai recrudescia, revelando a escolha de uma posição subjetiva. Por isso o ódio ao pai agora aparecia feroz. Outros projetos paralelos, como sair do Rio, abrir um comércio, apareciam e desapareciam como nebulosas.
Marco se mostrava ansioso com a proximidade da audiência. Não queria permanecer preso, mas também tinha medo da liberdade. Fantasias persecutórias tomavam conta das suas noites. Achava que a polícia poderia sair em seu encalço imediatamente após ser posto em liberdade.
O lugar de caça que ocupava nos devaneios servia para justificar atos, do caçador, secretamente arquitetados.
Marco queria garantir o controle sobre as presenças na audiência: a mãe deveria estar presente, o pai não. Queria aniquilar tal possibilidade desde já. Perguntava-me se eu estaria presente. Eu o assegurava que sim.
A audiência já fora marcada na pauta do cartório. Minha intervenção quase chegava ao fim.
No dia determinado, de posse do meu relatório, dirigi-me à sala de audiências, mas, para minha surpresa, não havia ninguém lá. Onde estariam todos?. O que teria acontecido?
Procurei me informar no cartório. Precisava entender o que se passava. Disseram-me, a audiência fora antecipada.
E o trabalho ao qual me dedicara por meses a fio? Por que eu não fora avisada? Perguntei inutilmente. Procurei saber quais pessoas estiveram presentes na audiência. Apenas o pai.
Qual o significado dessa antecipação inesperada?
Imaginei a cena de traição tomando forma no imaginário de Marco, e como as ideias dessa trama poderiam tomar de assalto seus atos.
Soube da fúria de Marco durante a audiência. Ele se debatia porque a mãe não estava lá.
Imaginei o quanto se sentiu enganado.
Que repercussão a presença exclusivamente masculina teria em sua mente?
Senti-me também enganada. Pensei no crédito que eu depositara na possibilidade de apontar uma saída para o caso. Quanta ingenuidade!

Essa experiência me obrigou a confrontar a impossibilidade da tarefa do psicólogo, quando supõe modificar algo na estrutura rígida do judiciário. Engrenagem corrosiva de trabalhos, como o meu, que agrega como auxiliares

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