Marco chegou na João
Luiz Alves em agosto de noventa e quatro, em pleno período de mudanças
administrativas, chamado de transição gradual.
Era a primeira vez que
atravessava os portões da Mansão. O
que, de certa forma, representava para ele um elogio.
No campo em que
escolhera brilhar, contar na bagagem com algumas entradas na João Luiz Alves
significa um trunfo, uma carta mestra que permite lances para “boas jogadas”.
Ele funcionou nessa direção: aproveitar a estadia para um lance que lhe
fortalecesse no jogo.
O contexto
institucional era propício. As regras móveis, como um terreno que se
abre em decorrência de uma movimentação mais interior, e as coisas da
superfície desabam antes da acomodação.
Marco não “aprontou
nenhuma” por lá, sua permanência foi rápida. Meteórica. Perseguia um objetivo
com clara determinação e todas as alianças que fez apenas visavam atingi-lo.
Não demorou muito
para realizar sua jogada.
Fugiu. Sem
estardalhaço.
Como? Pulou o muro. Simples
assim.
A
fuga nada teve de espetacular. Não custou tempo nem dinheiro. Não foi preciso
ser criativo, pois não precisou pôr em prática um plano engenhoso, tamanha
a facilidade que encontrou. Fugiu, deixando para trás uma realidade que
se esfacelou dentro de poucos meses.
A
tensão nas escolas crescia a cada dia, até culminar com o ciclo infindável de
rebeliões que marcou a história da João Luiz Alves.
Uma das primeiras rebeliões
aconteceu numa noite de sexta-feira, deixando um rastro irreparável de
destruição na escola. Os adolescentes botaram fogo nos dormitórios, na cozinha,
na administração e no refeitório. Quebraram grande parte do mobiliário.
O
incêndio durou cerca de duas horas até ser controlado pelo corpo de bombeiros,
que se empenhou para que as chamas não se propagassem até o antigo posto de
gasolina que existia no prédio. Houve explosões de bujões de gás e de um
transformador.
O prédio foi tomado por
tropas da Polícia de Choque e da Aeronáutica, que encurralaram os jovens no
pátio da escola.
Era a segunda rebelião que
acontecia na mesma semana, e se espelhava em outra ocorrida naquela mesma semana, no Padre Severino, de onde fugiram mais de noventa internos.
Após as
rebeliões, os corredores ficaram às escuras. Ameaçadores. No pavilhão da administração
escolar, o que antes eram salas, dera lugar a enormes montes de pedras, restos
do prédio onde se guardava prontuários, a história da instituição e dos alunos.
O quadro lúgubre não foi
amenizado com medidas práticas por parte do estado e os adolescentes
continuaram sendo mandados para lá. Exceto alguns, poucos, considerados de
maior risco, que exigiam muito empenho da vigilância, passaram a ser
custodiados no quartel da Polícia Militar.