segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A tragédia de Édipo

A tragédia de Édipo serve-nos de testemunho das práticas judiciárias gregas. Sob esse aspecto, podemos dizer que a tragédia de Édipo é a história de uma pesquisa da verdade, cujos procedimentos obedecem às práticas judiciárias daquela época na Grécia.
Para Foucault, o mecanismo de estabelecimento da verdade obedece a uma lei, a qual ele denomina a lei das metades, pois que é por metades que se ajustam e se encaixam que a descoberta da verdade procede em Édipo.
Apenas para relembrar, na trágica história Édipo-Rei escrita por Sófocles em data imprecisa, o príncipe de Corinto, Édipo, é insultado por um bêbado que o acusa de ser filho ilegítimo do rei Políbios. Perturbado, Édipo recorre ao Oráculo de Delfos, que lhe revela seu destino: matar o pai e casar com a mãe. Atordoado, Édipo foge de Corinto, distanciando-se de seus pais, como forma de se liberar da terrível profecia. No caminho para Tebas, contudo, Édipo se depara com uma carruagem, à frente da qual, vem o arauto que lhe ordena que se afaste, e o empurra para fora da estrada. Édipo dá início a uma briga e termina matando todos que estavam na carruagem. Um dos passageiros era seu pai biológico, Laios, o Rei de Tebas. Após decifrar o enigma da esfinge e salvar Tebas do flagelo que a acometia, Édipo foi proclamado rei de Tebas, casando-se em seguida com Jocasta, viúva de Laios, que na verdade era sua mãe. Mas só depois que uma nova maldição caiu sobre Tebas os fatos que envolviam a morte de Laios foram esclarecidos. Édipo não suportou a verdade e arrancou seus próprios olhos. Antes do nascimento de Édipo, Laios havia cometido engano semelhante, e Apolo o advertira de que seu filho um dia o mataria. Por isto quando Édipo nasceu, temendo a profecia, Laios mandou perfurar com um cravo um dos pés da criança e abandoná-la em uma montanha. Daí vem o seu nome “Oidípous”, que significa “pé inchado”. O pequeno Édipo foi encontrado por um pastor e levado ao rei Políbios que o adotou.
No jogo das metades nessa tragédia, conspurcação, assassinato, quem matou... todas verdades aparecem cifradas, de forma profética. A forma como se encaixam as metades para compor a totalidade da história de Édipo é ao mesmo tempo religiosa e política, quase mágica.
Trata-se de um exercício de poder, de alguém capaz de manipular um segredo, ou de vários que detém os fragmentos de uma história.
A primeira série de metades que se ajustam é o do deus Apolo e do adivinho Tirésias. Ela se desenvolve no nível da profecia e dos deuses. Contém um tipo de olhar mágico-religioso que surge logo no início da encenação. A verdade é dita sob a forma de prescrição e profecia. Já a segunda série de metades é formada por Édipo e Jocasta; é o nível dos reis, dos soberanos. E a terceira série é constituída pelo escravo de Políbio e pelo pastor da floresta Citerão. Sob a forma de testemunho, eles irão enunciar a verdade última, aquela que resguarda como prova, o olhar. Um servo viu Jocasta lhe entregar uma criança para ser abandonada na floresta; o outro servo também viu a criança na floresta e a conduziu ao palácio de Políbio.
Existe uma relação entre os deuses e os servos. Eles dizem a mesma coisa com linguagens diferentes. Os servos atestam o que já haviam dito os deuses. Eles viram e se lembram do que presenciaram com seus olhos humanos, o que havia sido prescrito pelo olhar religioso e profético do adivinho Tirésias e pelo olhar eterno e iluminador do deus Sol, Apolo.
Analisando o título da tragédia, Édipo-Rei, Foucault conclui que o poder de Édipo é o tema central de toda a trama. A questão se prende à perda de poder de Édipo, que está preocupado em preservar a sua condição real. Acredita que Creonte e Tirésias armaram um complô contra ele.
Édipo diz a Tirésias: “Escarneces de inveja do poder que me trouxe tão alto?” Édipo acusa Creonte: “Quando o conspirador avança rápido, eu tenho de ser rápido também: se eu ficar esperando, aumenta o risco, ele triunfa e eu sou derrotado.”
O poder de Édipo foi conquistado por ter demonstrado possuir um saber superior em eficácia. Édipo resolveu o enigma da Esfinge e não cansa de lembrar a todos que pôde fazê-lo sem a ajuda de ninguém. Édipo fala a Tirésias: “O riqueza, poder, sabedoria, quanta inveja trazeis em vosso bojo! Quando foi que provaste ser vidente? Por que, quando rondava por aqui a Esfinge ruminando cantilenas, nunca tiveste nem uma palavra que devolvesse a liberdade ao povo? Eu, Édipo, sem nada saber, logo ao chegar fiz a Esfinge calar: deslindei a questão pela razão, nem foi preciso consultar teus pássaros!”
Ao compor o personagem Édipo, Sofocles discutia o poder político e o saber solitário da figura do sofista que existia em Atenas. Mas também colocava em cena a tirania comum naquele período histórico. O tirano, tal como Édipo o representa na tragédia, era um homem que detinha poder-saber. Correlativos e sincrônicos, eles dotavam o soberano de um especial domínio.
A Grécia viveu muitas lutas, contestações políticas e esta história também levou à elaboração de um forma modelar de descoberta jurídica da verdade que se apóia na materialidade e no testemunho.
Dividida em metades, a verdade aos poucos se reconstitui, e torna-se presente nos relatos daqueles que viram com seus próprios olhos algo que se sucedeu no passado. O entrelaçamento dessas experiências humanas comuns, potentes, transcende os limites da temporalidade. Unifica, por instantes, passado, presente, futuro, e toca o quê de eterno e sagrado que se encobre no núcleo da verdade.

Um comentário:

Atemporal disse...

Oi Maruza!
Muito bom seu blog!
Coloquei um link no meu Blog para Freudelizar. Agora estou te seguindo.Bjs! Elaine