quinta-feira, 12 de junho de 2008

O mal-estar na cultura

A sustentação da tese de que o Ocidente vive a ilusão de felicidade na proclamação da igualdade já há muito foi desenvolvida por Sigmund Freud, quando escreveu, em 1930, o magnífico trabalho sobre o mal-estar na cultura. Diz-nos Freud:
(...) o problema que temos pela frente é saber como livrar-se do maior estorvo à civilização – isto é, a inclinação, constitutiva dos seres humanos, para a agressividade mútua; por isto mesmo, estamos particularmente interessados naquela que é provavelmente a mais recente das ordens culturais do superego, o mandamento a amar ao próximo como a si mesmo. (...) É impossível cumprir esse mandamento; uma inflação tão enorme de amor só pode rebaixar seu valor, sem se livrar da dificuldade.
Nesse momento do texto, Freud está interessado em discutir a constituição do superego cultural, em compreender sobre que ideais está assentado e como este superego estabelece suas exigências.
Freud conclui com convicção que o estudo sobre os ideais da civilização deve levar em conta que os juízos de valor no homem são mutantes porque perseguem de perto os anseios por felicidade; configuram uma tentativa de apoiar, com argumentos, as ilusões.
O ideal da democracia celebra o princípio da igualdade (das capacidades, responsabilidades e possibilidades sociais) entre os homens e lança a seguinte fórmula – o crescimento é a abundância; a abundância é a democracia. Logo, precisamos lutar pelo crescimento material e econômico porque estes nos engrandecem aos olhos dos outros.
A democracia assim produz a transferência dos princípios idealistas que preconizam a igualdade e a fraternidade como mola propulsora de felicidade, para a realização dessa igualdade diante dos objetos e dos signos que proclamam o sucesso social como sinônimo de felicidade. Freud comenta a busca de controle e poder do homem sobre a natureza das coisas:
Essas coisas – que através de sua ciência e tecnologia, o homem fez surgir na Terra, (...) essas coisas não apenas soam como um conto de fadas, mas também constituem uma realização efetiva de todos – ou quase todos – os contos de fadas. (...) Há muito tempo atrás, ele formou uma concepção ideal de onipotência e onisciência que corporificou em seus deuses. (...) Hoje, ele se aproximou bastante da consecução desse ideal, ele próprio quase se tornou um deus. (...) O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de ‘Deus de prótese’. (...) atualmente o homem não se sente feliz em seu papel de semelhante a Deus.
Ante a insatisfação inerente à existência do homem e sua busca incessante por possuir em abundância objetos utilitários, Freud reverencia a beleza, valorizando os objetos que entretém o sentido estético da existência; e conclama mesmo a nossa aproximação de coisas não lucrativas, sejam aquelas existentes na natureza, sejam aquelas criadas pelo próprio homem. Mas o que assistimos atualmente, ou melhor, o percurso ético ao qual teimamos a nos agarrar, parece apenas nos afastar cada vez mais dessa conquista estética a qual Freud nos convida.

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