sexta-feira, 27 de junho de 2008

A paixão do significante

O simples fato de se dever falar deforma a intenção pré-lingüística. Em seu sentido imaginário, ou melhor, nos bastidores da expressão lingüística, o que se recebe é a própria mensagem, ditada pelo outro, sob uma forma invertida.
Esta inversão é o que faz do homem que fala, aquele através do qual isso fala. É essa torção da mensagem do sujeito que transmuda sua ação em sua paixão.
Especialmente após Lacan, essa paixão do significante se torna uma dimensão nova da condição humana. Foi ele quem melhor explicitou isto, que no homem e através dele, isso fala. A natureza do sujeito torna-se então tecida pelos efeitos onde se reencontra a estrutura da linguagem.
O sentido da cadeia significante não é determinado arbitrariamente pelo signo lingüístico nem pelos sentidos descritos nos dicionários, mas sim pela memória de todos os contextos incalculáveis que cada expressão percorreu na história de seus usos.
Como se comporta aqui a criança? Ela queria alguma coisa e lhe foi dado um símbolo, o qual representa uma coisa, mas efetivamente não é a coisa. O sujeito infans não atinge o objeto de sua necessidade tal como ele desejaria, mas pode aproximar-se, por rodeios, dessa coisa: o representante repele a coisa desejada, distancia-a. E nesse movimento, afasta igualmente o si do infans, que doravante não será mais o mesmo, mas sim, simbolicamente remetido a ele mesmo.
A reação a essa retirada fundamental do mundo e do si é o que Lacan chama de désir – o wunsch de Freud. Resposta do homem a sua inserção na ordem dos simples símbolos e dos representantes das realidades plenas. Reação a sua insatisfação constante e a sua infinita nostalgia.
A falta, o sentimento de não ter, inscreve-se então no desejo. Essa falta parece ser uma característica essencial da ordem simbólica, da ordem intersubjetiva da palavra.
A palavra, como elemento da ordem simbólica, transmite a necessidade de maneira verbal, quer dizer, simbólica, sob a forma de demanda. Deseja-se dizer alguma coisa, mas não é a coisa propriamente aquilo o que se diz.

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