segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A ocorrência


O fato aqui narrado aconteceu nos anos noventa, no Rio de Janeiro. Como era de se esperar, tratou-se de um acontecimento lamentável que tomou a todos de surpresa. Naquela época, havia grande descontentamento por parte da população com a insegurança da cidade, e o assalto que culminou com a morte da vítima era um fato banal, considerando o cotidiano violento da metrópole.


Os autores da grave infração eram dois adolescentes. A intenção deles no ato era puxar um carro, ação que já havia sido encomendada por traficantes. Missão que foi levada a efeito, pois que após o homicídio, eles conseguiram roubar outro carro e levar até o morro onde os traficantes os esperavam.


Esta narrativa incide sobre o desdobramento do caso judicial de um dos rapazes, a quem dei o nome fictício de Marco, cuja história, em nada original, obriga-nos a confrontar as dificuldades de um jovem comum, como tantos outros que conhecemos e, por isto mesmo representante fiel dos anseios da geração contemporânea. Convite à reflexão sobre as interrogações em pauta nos nossos dias.


Na época em que Marco fora mantido sob custódia, modificações decisivas foram implantadas no sistema de proteção à infância e à juventude: a gerência do sistema passava da esfera federal para a estadual.


A entrada do estado na gerência desse tipo de atendimento foi muito conturbada. No início dessa passagem, funcionários federais e estaduais trabalharam lado a lado. Eles representavam visões distintas na forma de abordagem do atendimento dedicado aos jovens.


Os federais, que eram antigos, esforçavam-se por mostrar a capacidade para dominar a situação das escolas, muito debilitadas, há anos funcionando em situações precárias. Os estaduais, que eram novos, criticavam o fato dos federais só se preocuparem com a segurança. Os novos diziam estar interessados em melhorar a qualidade do atendimento. Os federais possuíam um inegável poder de liderança e tinham uma linguagem afinada com a cultura do jovem, enquanto que os estaduais começaram a perceber a dureza das condições de trabalho: instalações precárias, exigindo reparos, as exigências imediatas dos juízes, as cobranças do Ministério Público, a pressão do número de relatórios a serem apresentados, os prazos das audiências, a necessidade de manter vigilância quanto a fugas, as cobranças da sociedade... Era o imediato que pressionava, impedindo que se pusesse em prática a nova filosofia que apregoavam e que não cabia naquelas condições.


A nova filosofia não havia sido pensada para ser aplicada em escolas de grandes proporções. O modelo tinha que ser tropegamente adaptado à realidade, e vencer a rotina era o maior desafio que se colocava.

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