Faltavam duas semanas para a audiência de reavaliação de Marco.
Hora de rever o trabalho. Construir um posicionamento e organizar o
relatório para a audiência.
Eu preferia acreditar que Marco poderia ser trabalhado fora do
ambiente de controle policial/judicial, pois achava que ele havia
desenvolvido uma demanda subjetiva e que estava sensível à
possibilidade de uma intervenção terapêutica.
Aqueles
dias me pareceram decisivos para a tomada de decisão de Marco. Ele
se debatia em conflitos. Algumas atitudes sorrateiramente se
consolidavam. O ódio ao pai mais do que nunca aparecia vívido.
Borbulhava na caldeira dos sentimentos.
O
desejo de tomar o lugar do avô nos negócios do jogo do bicho saltou
como uma seta, apontando outro possível caminho fora do tráfico.
Escolha que não o afastaria do jogo, dos perigos, das armadilhas...
Continuava instável o seu terreno. O controle dos pontos do jogo do
bicho o seduzia.
A
fraqueza do pai em contraste com a potência de Marco para assumir
esse controle, aparecia como uma justificativa de seu desejo para se
impor nesse lugar.
O
que significava tomar para si os negócios do avô?
O
desejo de tomar o lugar do pai recrudescia, revelando a escolha de
uma posição subjetiva. Por isso o ódio ao pai agora aparecia
feroz. Outros projetos paralelos, como sair do Rio, abrir um
comércio, apareciam e desapareciam como nebulosas.
Marco
se mostrava ansioso com a proximidade da audiência. Não queria
permanecer preso, mas também tinha medo da liberdade. Fantasias
persecutórias tomavam conta das suas noites. Achava que a polícia
poderia sair em seu encalço imediatamente após ser posto em
liberdade.
O
lugar de caça que ocupava nos devaneios servia para justificar
atos, do caçador, secretamente arquitetados.
Marco
queria garantir o controle sobre as presenças na audiência: a mãe
deveria estar presente, o pai não. Queria aniquilar tal
possibilidade desde já. Perguntava-me se eu estaria presente. Eu o
assegurava que sim.
A
audiência já fora marcada na pauta do cartório. Minha intervenção
quase chegava ao fim.
No
dia determinado, de posse do meu relatório, dirigi-me à sala de
audiências, mas, para minha surpresa, não havia ninguém lá. Onde
estariam todos?. O que teria acontecido?
Procurei
me informar no cartório. Precisava entender o que se passava.
Disseram-me, a audiência fora antecipada.
E
o trabalho ao qual me dedicara por meses a fio? Por que eu não fora
avisada? Perguntei inutilmente. Procurei saber quais pessoas
estiveram presentes na audiência. Apenas o pai.
Qual
o significado dessa antecipação inesperada?
Imaginei
a cena de traição tomando forma no imaginário de Marco, e como as
ideias dessa trama poderiam tomar de assalto seus atos.
Soube
da fúria de Marco durante a audiência. Ele se debatia porque a mãe
não estava lá.
Imaginei
o quanto se sentiu enganado.
Que
repercussão a presença exclusivamente masculina teria em sua mente?
Senti-me
também enganada. Pensei no crédito que eu depositara na
possibilidade de apontar uma saída para o caso. Quanta ingenuidade!
Essa
experiência me obrigou a confrontar a impossibilidade da tarefa do
psicólogo, quando supõe modificar algo na estrutura rígida do
judiciário. Engrenagem corrosiva de trabalhos, como o meu, que
agrega como auxiliares.