Superego cultural é uma noção que deriva da teoria freudiana. Essa noção visa elucidar o mecanismo institucional. O superego cultural é pensado na referência ao discurso canônico. Ele explicita a censura. Munido da autoridade paterna, o inquisidor atualiza sua função ao trazer uma proposta de salvação com um rigor que não comporta a crítica nem o riso. A lei institui o universo idealizado da falta e designa ao pecador a benevolência reparadora de uma pena. A censura é uma modalidade de pena útil à ciência da alma. Daí advém sua natureza medicinal. Atualmente, essa função curativa e reparadora do censor foi assimilada pela prática utilitária das ciências humanas e sociais. O superego cultural organiza o lugar das penas e ordena sob quais condições se pode traçar o tratamento da indisciplina. Ergue-se, assim, uma doutrina da punição baseada na palavra que tranqüiliza o rebelde. Mas os homens das leis, os juristas, precariamente se dão conta da arte de tratar o conflito. A lógica dessa alienação encontra resposta na questão prática de colocar em atividade a máquina da exclusão. Consoante o peso da ideologia, a nosografia classifica os excluídos, do herético ao negro, do bandido ao louco, compondo o ementário dos procedimentos. Aliado à ciência, o jurídico mapeia a apreensão dos culpados para compor o texto onde se encontra a verdade do mal. A captura dos indivíduos numa formatação instituída supõe desapossá-los de seu sentimento de culpa no conflito, trocando-o por palavras pacificadoras. Assim também se propagandeia a agilidade e inteligência de um governo que se liberta do ranço burocrático e autoritário e busca a participação e a integração dos cidadãos. O direito é reconhecido como ciência ancestral que rege e direciona o sujeito. A lei institui uma ciência específica possuidora de um saber que se pretende legítimo e magistral, que salvaguarda a propagação das censuras para fazer prevalecer a opinião dos mestres: uma ciência do poder. Ao jurista cabe a tarefa de manter em funcionamento certo tipo de jogo, caldeira onde são inventadas palavras tranqüilizadoras, onde são manipuladas as ameaças primordiais, onde é situado o objeto de amor: no mesmo lugar onde a política coloca o prestígio, ou seja, no adestramento do amor ao poder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário