terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Superego cultural

Superego cultural é uma noção que deriva da teoria freudiana. Essa noção visa elucidar o mecanismo institucional.
O superego cultural é pensado na referência ao discurso canônico. Ele explicita a censura.
Munido da autoridade paterna, o inquisidor atualiza sua função ao trazer uma proposta de salvação com um rigor que não comporta a crítica nem o riso.
A lei institui o universo idealizado da falta e designa ao pecador a benevolência reparadora de uma pena.
A censura é uma modalidade de pena útil à ciência da alma. Daí advém sua natureza medicinal. Atualmente, essa função curativa e reparadora do censor foi assimilada pela prática utilitária das ciências humanas e sociais.
O superego cultural organiza o lugar das penas e ordena sob quais condições se pode traçar o tratamento da indisciplina.
Ergue-se, assim, uma doutrina da punição baseada na palavra que tranqüiliza o rebelde. Mas os homens das leis, os juristas, precariamente se dão conta da arte de tratar o conflito.
A lógica dessa alienação encontra resposta na questão prática de colocar em atividade a máquina da exclusão.
Consoante o peso da ideologia, a nosografia classifica os excluídos, do herético ao negro, do bandido ao louco, compondo o ementário dos procedimentos.
Aliado à ciência, o jurídico mapeia a apreensão dos culpados para compor o texto onde se encontra a verdade do mal.
A captura dos indivíduos numa formatação instituída supõe desapossá-los de seu sentimento de culpa no conflito, trocando-o por palavras pacificadoras.
Assim também se propagandeia a agilidade e inteligência de um governo que se liberta do ranço burocrático e autoritário e busca a participação e a integração dos cidadãos.
O direito é reconhecido como ciência ancestral que rege e direciona o sujeito. A lei institui uma ciência específica possuidora de um saber que se pretende legítimo e magistral, que salvaguarda a propagação das censuras para fazer prevalecer a opinião dos mestres: uma ciência do poder.
Ao jurista cabe a tarefa de manter em funcionamento certo tipo de jogo, caldeira onde são inventadas palavras tranqüilizadoras, onde são manipuladas as ameaças primordiais, onde é situado o objeto de amor: no mesmo lugar onde a política coloca o prestígio, ou seja, no adestramento do amor ao poder.

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